E eu não sou uma mulher? (Ain’t I a woman?, do título original) foi publicado originalmente em 1981 e é o primeiro livro de bell hooks, escrito quando a intelectual ainda estava na faculdade. Seu título faz referência ao célebre discurso de Sojourner Truth, uma das mais famosas abolicionistas negras e defensora dos direitos das mulheres dos Estados Unidos, que em 1851 proferiu um veemente discurso em que expunha os mecanismos de dominação que incidiam especificamente sobre as mulheres negras. A obra é composta por cinco capítulos, que constituem artigos sobre os seguintes temas: sexismo e a experiência da mulher negra escravizada; a desvalorização contínua da mulheridade negra; o imperialismo do patriarcado; racismo e feminismo; mulheres negras e feminismo.
A primeira edição de E eu não sou uma mulher? apresentava a foto da mãe da autora na capa; já a edição utilizada na presente resenha traz o retrato em sua contracapa. No prefácio, bell hooks afirma que o substrato para a escrita da obra foi a relação com sua mãe – que, mesmo não conhecendo teorias feministas, educou a autora e suas irmãs para a liberdade. Tal relação também motivou o estilo da escrita, cujo objetivo maior era o alcance de pessoas de diversas classes, tendo como referência de “público ideal” sua própria mãe. O esforço para compreender as diferenças entre as experiências das mulheres negras e das mulheres brancas fundamentou a produção da obra.
O primeiro capítulo trata das vivências das mulheres negras que foram raptadas e escravizadas. Como as mulheres africanas também contribuíam com a força de trabalho em sua cultura, elas provavelmente foram vistas pelos homens brancos comerciantes de escravizados como o sujeito ideal para a escravidão, uma vez que também era “obedientes” aos homens negros. A autora destaca que, além dos castigos físicos e trabalho excessivo que eram impostos às mulheres e aos homens negros escravizados, a mulher estava sujeita a outro tipo de tortura, não comumente aplicada aos homens, visto que se tratava de uma sociedade patriarcal sexista: o estupro. O sexismo institucionalizado legitimava a exploração sexual das mulheres negras; ele consistia num método de terrorismo para desmoralizar e desumanizar as mulheres escravizadas.
No segundo artigo, bell hooks faz uma análise crítica acerca da desvalorização contínua que a figura da mulher negra sofreu no contexto da sociedade patriarcal racista. A intelectual aponta como a exploração sexual perpetrada contra as mulheres negras reverberou no âmbito político e social, criando uma série de estereótipos depreciativos e negativos, e mitos racistas e sexistas. Tal depreciação constante, mesmo após o fim da escravidão, constituiu uma nova prática opressiva, em que houve um esforço consciente da branquitude para sabotar a construção da autoconfiança e do autorrespeito da mulher negra.
O terceiro artigo, “O imperialismo do patriarcado”, aborda os mecanismos de funcionamento e os impactos do sexismo na vida das mulheres, sobretudo negras. Faz-se interessante a observação da escritora de que o sexismo também é praticado por homens negros, porque tanto estes quanto as mulheres negras não estariam dispostos a reconhecer que o racismo não é a única prática opressora sofrida pela comunidade negra.
Já no penúltimo capítulo, a autora traz a problemática do racismo dentro do movimento feminista. Uma vez que os Estados Unidos foram colonizados a partir de um fundamento imperialista racista, o racismo impediu que se estabelecesse qualquer tipo de conexão entre mulheres negras e mulheres brancas. bell hooks aponta que tanto as primeiras defensoras brancas dos direitos das mulheres quanto as sufragistas não estavam interessadas em igualdade social para todas as mulheres, somente para as mulheres brancas.
O último capítulo realiza um estudo sobre a relação entre as mulheres negras e o feminismo. No início, a autora traz à memória diversas mulheres negras que contribuíram na luta pelos direitos das mulheres nos séculos XIX e XX, tais como Mary Church Terrell e Anna Cooper. São abordados diversos acontecimentos sociais que ocasionaram num afastamento das mulheres negras do feminismo. A escritora não hesita em apontar o oportunismo e egoísmo de algumas mulheres que usam o movimento em benefício próprio e a necessidade de nos espelharmos na mulher negra ativista do século XIX.
Assim, E eu não sou uma mulher? é um livro fundamental para se entender as relações de gênero, classe, raça e práticas opressoras e como elas se configuram atualmente. Apesar de sua escrita leve e acessível, bell hooks traz assuntos densos e que podem ser, caso você também seja uma mulher negra, cruéis. No entanto, faz-se necessária a apropriação desse conhecimento por nós para que possamos ser pessoas livres ou feministas, segundo a concepção da autora: “‘feminista’, em qualquer sentido autêntico do termo, é querer para todas as pessoas, mulheres e homens, a libertação dos padrões de papéis sociais, da dominação e da opressão sexistas”.
(Fonte: letraspretas.com / https://bit.ly/3EePGwp)
Resenhas sobre esta obra:
- CORREIA, Carol. “Não sou eu uma mulher”: mulheres negras na discussão. Disponível em: medium.com / https://bit.ly/3zaVyD6
- Não Sou Eu Uma Mulher? Disponível em: becodaspalavras.com / https://bit.ly/3k6171n
Vídeo-resenhas sobre esta obra:
E eu não sou uma mulher? - bell hooks
(Fonte: canal Alliye - YouTube / https://bit.ly/3kcAaJB)
E eu não sou uma mulher?
(Fonte: canal TV Grabois - YouTube / https://bit.ly/3CdcjQ8)
Eu não sou uma mulher
E eu não sou uma mulher?, de bell hooks
(Fonte: canal Alguém Viu Meus Óculos? - YouTube / https://bit.ly/3lumGrN)
Entrevista com bell hooks (ative a legenda em português)
(Fonte: canal Gabriela Manna - YouTube / https://bit.ly/3zffgNY)
QUEM É bell hooks?
bell hooks nasceu em 1952 em Hopkinsville, uma cidade rural do estado de Kentucky, no sul dos Estados Unidos. Batizada como Gloria Jean Watkins, adotou o nome pelo qual é conhecida em homenagem à bisavó, Bell Blair Hooks. Formou-se em literatura inglesa na Universidade de Stanford, fez mestrado na Universidade de Wisconsin e doutorado na Universidade da Califórnia. Seus principais estudos estão dirigidos à discussão sobre raça, gênero e classe e às relações sociais opressivas, com ênfase em temas como arte, história, feminismo, educação e mídia de massas. É autora de mais de trinta livros de vários gêneros, como crítica cultural, teoria, memórias, poesia e infantil.
Na infância, estudou em escolas públicas para negros, pois nos Estados Unidos ainda havia escolas que praticavam segregação racial. Na adolescência, quando passou para uma escola integrada, viveu a discriminação de ser minoria numa instituição onde tanto os professores quanto os alunos eram majoritariamente brancos.
De família numerosa — cinco irmãs, um irmão –, pertencente ao que os norte-americanos chamam de classe trabalhadora, bell hooks usou a própria vida, a vizinhança e a escola como fontes dos seus primeiros estudos sobre raça, classe e gênero, sempre buscando nesses três elementos os fatores da perpetuação dos sistemas de opressão e dominação. Seja de brancos contra negros; de homens (mesmo negros) contra mulheres; de ricos contra pobres.
Observadora sagaz da realidade, bell hooks é capaz de escrever palavras que doem como um soco no estômago, mas que são ditas com grande convicção, sinceridade e um estilo inconfundível. Já foi premiada com um The American Book Award, um dos prêmios literários de maior prestígio dos Estados Unidos. Entre as influências da autora, além de Martin Luther King, Malcom X e Eric Fromm, figuram as teorias de educação defendidas pelo brasileiro Paulo Freire.
Foi durante a faculdade que bell hooks começou a escrever seu primeiro livro, Ain’t I A Woman [Eu não sou uma mulher], publicado em 1981. Onze anos depois, o site Publishers Weekly, especialista no ramo de publicação literária, avaliou Ain’t I A Woman como um dos vinte livros mais influentes escritos por mulheres nos vinte anos anteriores.
Assim como outras mulheres negras, hooks apontou que o feminismo mainstream focava em um grupo seleto de mulheres brancas, com ensino superior, de classe média e alta, centradas em ideais românticos de liberdade e igualdade. Ela percebeu que as mulheres negras se encontravam em um dilema: apoiando o movimento feminista, precisavam abdicar das discussões raciais, e lutando pelos direitos civis estavam à mercê do patriarcado que o dominava.
A escritora sofreu uma série de críticas durante a sua carreira, sendo acusada inclusive por outras feministas de não ser “acadêmica o suficiente”. Isso porque hooks não se submetia aos padrões tradicionais da academia, na intenção de tornar o seu trabalho acessível para todos. Daí também seu grande interesse pela educação — sobretudo pela educação das pessoas negras, historicamente privadas da academia.
“Muitas vezes, as feministas brancas agem como se as mulheres negras não soubessem que houve opressão sexista até que elas expressassem o sentimento feminista. Eles acreditam que forneceram às mulheres negras ‘análise’ e ‘o’ programa de liberação”, escreveu bell hooks. “Eles não entendem, nem imaginam, que as mulheres negras, bem como outros grupos de mulheres que vivem diariamente em situações opressivas, muitas vezes se tornam conscientes da política patriarcal de sua experiência vivida à medida que desenvolvem estratégias de resistência — mesmo que isso não seja feito de forma sustentada ou organizada.”
(Fonte: BREDA, Tadeu. Quem é bell hooks?. Disponível em: elefanteeditora.com.br / https://bit.ly/3nxaeKI)
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