terça-feira, 28 de setembro de 2021

Trilha Antirracista: RACISMO ESTRUTURAL, de Silvio Almeida

Uma das perguntas que tem sido feita a partir da eclosão dos protestos é: como é que chegamos até aqui? Seria o racismo delírio, miopia, ignorância ou projeto? Para responder essas perguntas, primeiro é preciso resgatar as narrativas que foram historicamente forjadas.

Silvio Almeida, um dos maiores intelectuais contemporâneos, colocou uma lupa nessa temática na sua obra intitulada “O que é racismo estrutural?” da coleção Feminismos Plurais coordenado por Djamila Ribeiro. Durante muito tempo o racismo ficou adstrito apenas à esfera do comportamento individual, mas o jurista e filósofo nos apresentou outras dimensões esmiuçando o viés institucional e estrutural.

O racismo faz parte da história moderna guardando relação com a formação do Estado. Segundo o jurista, o conceito de raça foi desenvolvido pelo modelo do Estado burguês para eleger o sujeito universal e organizar as relações políticas, econômicas e jurídicas a partir da categorização em classes dos indivíduos com o fim de preservar o grupo hegemônico.

O racismo ganha diferentes expressões ao longo da história, desde o caráter biológico, científico e sociocultural, razão pela qual trata-se de um fenômeno social complexo. De todo modo, no Brasil, esse processo sempre esteve relacionado com a aparência física, capacidade de consumo e de circulação social.

Nesse contexto, como o Estado é responsável por formar uma unidade, o nacionalismo tende a hierarquizar as multiplicidades cultural, étnica, religiosa e sexual, criminalizando, domesticando ou estigmatizando aquele que não interessa à identidade nacional.

Nessa perspectiva, o autor aproveita as lições de Foucault para conceituar o racismo como uma tecnologia de poder que opera por meio do controle havendo, por conseguinte, a discriminação sistêmica de grupos étnico-raciais subalternizados.

Oportuno esclarecer que não é possível confundir racismo, preconceito e discriminação. Se o primeiro é um fenômeno sistêmico, o segundo externaliza-se como um julgamento prévio, enquanto a discriminação é um tratamento diferenciado. Nessa vereda, é plausível que certos indivíduos do grupo dominante digam ter sofrido preconceito ou discriminação. No entanto, como o racismo está entranhando nas estruturas de poder, este atinge somente grupos étnico-raciais subalternizados, razão pela qual não há qualquer possibilidade de sustentar o argumento de racismo reverso, já que não há opressão sistêmica em relação ao grupo dominante.

Com efeito, os negros tornam-se produto do racismo, de maneira que o fenótipo, a cor da pele e as práticas culturais são dispositivos materiais utilizados para gerar privilégios, vantagens políticas, econômicas e afetivas em favor do grupo hegemônico.

Assim, como a tese do jurista está calcada no racismo estrutural, ele explora as diferenças entre racismo individual, institucional e estrutural. No racismo individual é flagrante o viés patológico, comportamental e imoral revelado por aquele que o pratica.

No racismo institucional, o que se observa é a presença massiva de determinado grupo étnico-racial nas instituições, o qual irá trabalhar para fortalecer e manter esse grupo determinado no poder. Nessa forma de racismo vimos o legislativo, o judiciário, o executivo, as reitorias das universidades e grandes corporações aparelhadas com pessoas do grupo hegemônico.

Na dimensão estrutural, o pensador esclarece que as instituições somente são racistas, porque a sociedade também o é, ou seja, as estruturas que solidificam a ordem jurídica, política e econômica validam a autopreservação entre brancos, bem como a manutenção de privilégios, uma vez que criam condições para a prosperidade de apenas um grupo. Como resultado, as instituições externam violentamente o racismo de forma cotidiana.

Enquanto ideologia, o racismo constitui-se como representação do imaginário social sobre as identidades raciais, de maneira que o imperativo é manter o branco no lugar de líder nato e racional enquanto o negro em condições subalternas.  Denota-se, portanto, que o racismo formata as subjetividades nas relações sociais, visto que do ponto de vista da consciência e dos afetos, o racismo valida quem merece ser considerado sujeito.

Na cultura, o racismo é sofisticado, pois propaga o relativismo cultural e o multiculturalismo como forma de domesticação de corpos, determinando a superioridade, o valor e o significado da cultura dominante em detrimento de outros grupos dos quais a branquitude produz a “exotificação” e a inferiorização desses.

O autor alerta que o indivíduo que se apresenta como antirracista não pode argumentar que o racismo é estrutural como desculpa para não rever as suas ações, vez que a responsabilização é parte do processo. Assim, é fundamental perceber que há uma dialética entre as ações individuais e a estrutura.

No tocante a representatividade, o autor elucida que por si só ela não é suficiente para resolver o racismo, pois embora enxergar negros em espaços de poder seja importante, o recrutamento de alguns negros nesses espaços serve puramente para reforçar o racismo, visto que visibilidade negra não é poder. Assim, não é possível admitir uma maquiagem ao problema, uma vez que o racismo exige mudanças profundas e concretas para que não seja eterniza o cenário de desigualdade racial.

Assim, para o filósofo, há uma segregação não oficial entre negros e brancos, já que existe uma naturalização de negros em posições subalternizadas e, de outro lado, há uma supremacia branca politicamente constituída.

O estudioso perpassa por várias dimensões do racismo: histórica, política, ideológica, econômica e jurídica, e como não pretendemos esgotar o tema, é crucial a leitura de sua obra na integralidade, a qual sintetiza de forma incisiva, crítica, propositiva e primorosa que o racismo é o grande obstáculo de um projeto de nação.

(Fonte: PRADO, Monique R. do. Racismo estrutural segundo Silvio Almeida. Disponível em: Revista Afirmativa / https://bit.ly/3ocGUcT)

OUTRAS RESENHAS DA OBRA

TROITINHO, Bruna. Racismo Estrutural? / Silvio Almeida. Disponível em: Negras Escrituras / https://bit.ly/3kKplP6

BETIM, Felipe. Silvio Almeida: “Quem quer civilizar o Brasil não pode temer o poder. Temos de nos livrar dessa alma de senhor de escravo”. Disponível em: brasilelpais.com / https://bit.ly/3lYhltc

BARROS, Gabriel. Resenha baseada no livro “ Racismo Estrutural” de Silvio de Almeida. Disponível em: Jus Brasil / https://bit.ly/3zPQ80G 

BATISTA, Waleska Miguel. A inferiorização dos negros a partir do racismo estrutural. Disponível em: Scielo Brazil / https://bit.ly/3oezwO2

VÍDEO-RESENHAS DA OBRA

O QUE É RACISMO ESTRUTURAL? | Silvio Almeida
(Fonte: canal TV Boitempo - YouTube / https://bit.ly/3kKXLkD)

RACISMO ESTRUTURAL - DJAMILA RIBEIRO E SILVIO ALMEIDA
(Fonte: canal Feminismos Plurais - YouTube / https://bit.ly/3zLNnNV)

Lili entrevista | Silvio Almeida

(Fonte: canal Lili Shwarcz - YouTube / https://bit.ly/39G0xl4)

Roda Viva - Silvio Almeida - 22/06/2020
(Fonte: canal Roda Viva - YouTube / https://bit.ly/3D7IYan)

História da discriminação racial na educação brasileira
(Fonte: canal Centro de Formação da Vila - YouTube / https://bit.ly/39GdqeZ)

QUEM É SILVIO ALMEIDA?

Silvio Luiz de Almeida (São Paulo, 17 de agosto de 1976) é um advogado, filósofo e professor universitário. É autor dos livros "Racismo Estrutural " (Polén, 2019),"Sartre: Direito e Política" (Boitempo, 2016) e "O Direito no Jovem Lukács: A Filosofia do Direito em História e Consciência" (Alfa-Ômega, 2006). Também preside o Instituto Luiz Gama.

Biografia e carreira

Paulistano, Silvio de Almeida é filho do casal Verônica e Lourival. O pai foi ex-goleiro de futebol, tendo ficado conhecido como Barbosinha em sua carreira.

No campo acadêmico, formou-se em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1995-1999) e em Filosofia pela Universidade de São Paulo (2004-2011). É mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo.

Em suas obras, trabalha com conceitos de autores como Sartre e György Lukács. Em seus textos, questões sobre minorias e desigualdades costumam ser abordadas sob a perspectiva jurídica, incluindo "ativismo judicial", o papel dos poderes e a atuação das polícias.

Atualmente, ocupa o cargo de professor da graduação em Direito e da pós-graduação em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie; professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, ambas em São Paulo; e de professor visitante na Universidade Duke, nos Estados Unidos da América.

Em 22 de junho de 2020, foi entrevistado no Roda Viva, na TV Cultura. A participação de Silvio Almeida no programa inspirou um "clube do livro" nas redes sociais.

(Fonte: wikipedia.org)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários publicados neste blog são MODERADOS. Portanto, só serão publicados os comentários que estiverem de acordo com nossos termos. Por favor, antes de publicar, leia nossos TERMOS DE USO, abaixo listados.
1. Publique somente comentários relacionados ao conteúdo do artigo.
2. Comentários anônimos não serão publicados bem como aqueles que apresentem palavras e/ou expressões de baixo-calão, ofensas ou qualquer outro tipo de falta de decoro.
3. Os comentários postados não refletem a opinião do autor deste blog.

ANO 2024 - Bem-vindos!

CARDÁPIO DO MÊS - Abril 2024

O projeto CARDÁPIO DO MÊS tem por objetivo chamar a atenção dos usuários da Sala de Leitura para determinadas obras que a cada mês são sel...