Obras da Literatura Brasileira adaptadas em formato de história em quadrinhos (HQ)
E. E. Professor Joaquim Pinto Machado Junior BLOG da SALA de LEITURA - eeprofmachadinho.blogspot.com
Neste blog você encontra resenhas de livros de nosso acervo, além de outras seções voltadas às artes em geral, ao entretenimento, à tecnologia, à ciência e outros assuntos.
quarta-feira, 27 de outubro de 2021
Literatura Brasileira em forma de HQ
quinta-feira, 14 de outubro de 2021
Trilha Antirracista / Biografia: ROSA PARKS, de Gabriela Bauerfeldt
Esta obra conta a trajetória de Rosa
Parks, mulher que, depois de ser presa por ocupar um assento de ônibus
reservado para pessoas brancas, deu início ao clamor popular que acabou com a
política racista no transporte público dos Estados Unidos. A Coleção BLACK
POWER apresenta biografias de personalidades negras que marcaram época e se
tornaram inspiração e exemplo para as novas gerações. Os textos simples e as
belas ilustrações levarão os pequenos leitores a uma viagem repleta de fatos
históricos e personagens que se transformaram em símbolo de resistência e superação.
Esse livro é voltado para crianças e adolescentes. A ideia é que elas percebam
que podem ter representatividade negra desde a infância.
(Fonte: Livraria Cultura / https://bit.ly/3lG9h18)

(Foto: rosaparksbiography.org)
Rosa Parks (1913-2005) foi uma
ativista do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. No dia
1 de dezembro de 1955, Rosa entrou para a história por se negar a ceder a um
branco o seu assento em um ônibus em Montgomery, no Alabama.
Rosa Louise Parks nasceu em
Tuskegee, Alabama, no Sul dos Estados Unidos, no dia 4 de fevereiro de 1913.
Filha de James e Leona Edwards McCauley, mais tarde, mudou-se com a família
para Pine Level, onde estudou na escola rural.
Juventude e casamento
Com 11 anos, ingressou na
Montgomery Industrial School for Girls. Em seguida, estudou na Alabama State
Teacher’s College High School. Com a doença de sua avó e em seguida de sua mãe,
Rosa foi obrigada a abandonar a escola. Passou a trabalhar como costureira para
ajudar nas despesas da casa.
No dia 18 de dezembro de 1932,
Rosa casou-se com Raymond Parks, membro da Associação Nacional para o Progresso
de Pessoas de Cor (NAACP), uma organização que lutava pelos direitos civis dos
negros, da qual Rosa se tornou uma militante. Incentivada pelo marido, Rosa
concluiu o ensino médio em 1934. Raymond chegou a secretário e líder juvenil da
associação.
Lei de segregação nos ônibus
Em Montgomery, capital do
Estado de Alabama, no Sul dos Estados Unidos, local onde ocorriam os maiores
conflitos raciais do país, desde 1900, por lei, os primeiros assentos dos
ônibus eram reservados para passageiros brancos.
No dia 1 de dezembro de 1955,
quando Rosa voltava do trabalho, tomou um desses ônibus e sentou-se em um dos
assentos localizados no meio do coletivo. Quando alguns brancos entraram no
ônibus e ficaram em pé, o motorista exigiu que Rosa e outros três negros se
levantassem para dar o lugar aos brancos. Enquanto os outros três se
levantaram, Rosa se negou a cumprir a ordem e permaneceu sentada.
A polícia foi chamada e Rosa
Parks foi detida e levada para a prisão por violar a lei de segregação do
código da cidade de Montgomery apesar de não estar sentada nas primeiras
cadeiras. No dia seguinte, Rosa foi solta depois que teve a fiança paga por
Edgar Nixon, presidente da NAACP e por seu amigo Clifford Durr.

Movimento pelos direitos civis (Foto: ndla.no)
Protestos e boicote
A prisão de Rosa provocou um
grande protesto que resultou em um boicote aos ônibus urbanos, quando os
trabalhadores negros e os simpatizantes da causa passaram a caminhar
quilômetros em direção ao trabalho, causando grande prejuízo para a empresa.
Os protestos receberam o apoio
de várias personalidades que se engajaram no movimento, entre eles, Martin
Luther King, que era pastor na cidade de Montgomery, e a cantora gospel Mahalia
Jackson, que realizou uma série de shows para ajudar os ativistas que estavam
presos.
O movimento contra a
segregação durou 382 dias e só terminou em 13 de novembro de 1956 após a
Suprema Corte declarar inconstitucionais as leis de segregação. Foi o primeiro
movimento contra a segregação que saiu vitorioso em solo norte-americano.
Em 21 de dezembro de 1956,
Martin Luther King e Glen Smiley, sacerdote branco, entraram juntos em um
ônibus e ocupam os primeiros lugares. Rosa Parks foi reconhecida nacionalmente
como a “mãe do moderno movimento dos direitos civis”.
As dificuldades não pararam,
Rosa sofreu ameaças de morte e teve dificuldade de conseguir emprego. Em 1957
mudou-se para Detroit, Michigan. Em 1964 tornou-se diaconisa da Igreja Episcopal
Metodista Africana (AME).

(Foto: commons.wikimedia.org)
Últimos anos
Em 1992, Rosa publicou sua
autobiografia, “Rosa Parks: MY Story”. Em 2002, viúva e com dificuldades
financeiras, Rosa foi despejada de seu apartamento. Com a grande comoção
nacional, Rosa recebeu ajuda da igreja batista Hartford Memorial, e o perdão da
dívida pelo banco.
Rosa Parks faleceu em Detroit,
Michigan, Estados Unidos, o dia 24 de outubro de 2005. Seu caixão foi velado
com honras da Guarda Nacional do Estado de Michigan.
Homenagens
Rosa Parks recebeu diversas
homenagens.
Em 1976, a cidade de Detroit
renomeou a 12th Street como Rosa Parks Boulevard.
Em 1997, o estado de Michigan
decretou o dia 4 de fevereiro como o Dia de Rosa Parks.
Em 1999, o então presidente
Bill Clinton condecorou Rosa Parks, então com 88 anos, com a medalha de ouro do
Congresso norte-americano.
O ônibus em que ocorreu a
reação de Rosa Parks, atualmente faz parte do acervo do The Henry Ford Museum.
terça-feira, 5 de outubro de 2021
Trilha Antirracista / Biografias: EXTRAORDINÁRIAS MULHERES QUE REVOLUCIONARAM O BRASIL, de Souza & Cararo
Sinopse: Dandara foi uma
guerreira negra fundamental para o Quilombo dos Palmares. Bertha Lutz foi a
maior representante do movimento sufragista no Brasil. Maria da Penha ficou
paraplégica e por pouco não perdeu a vida, mas sua luta resultou na principal
lei contra a violência doméstica do país. Essas e muitas outras brasileiras
impactaram a nossa história e, indiretamente, a nossa vida, mas raramente
aparecem nos livros. Este volume, resultado de uma extensa pesquisa, chega para
trazer o reconhecimento que elas merecem. Aqui, você vai encontrar perfis de
revolucionárias de etnias e regiões variadas, que viveram desde o século XVI
até a atualidade, e conhecer os retratos de cada uma delas, feitos por artistas
brasileiras. O que todas essas mulheres têm em comum? A força extraordinária
para lutar por seus ideais e transformar o Brasil.
A história do movimento
feminista é costumeiramente retratada por meio do que chamamos de ondas do
feminismo. Entretanto, quando vamos estudar mais a fundo esse assunto, duas
coisas precisam ser ressaltadas: 1) os holofotes de muitos dos conteúdos sobre
o tema não trazem tanto a importância das mulheres na história do Brasil; 2) a
voz das mulheres negras e indígenas também não ganha o espaço merecido, já que
muitos momentos marcantes das ondas feministas foram contados pela ótica das
mulheres brancas de classe média que tinham oportunidade de se manifestar
(ainda que, mesmo elas, com muito mais privilégios, sofressem repressão em
todas essas lutas). Extraordinárias, portanto, é uma leitura excelente para
quem quer descobrir um pouco mais sobre esses pontos. A obra traz diversos
nomes de mulheres fundamentais para o movimento feminista no Brasil, assim como
também nos conta a história de mulheres não-brancas inspiradoras e
protagonistas de diversas conquistas.
O livro ainda evidencia como
tivemos mulheres pioneiras na história do nosso país. Campeãs de atletismo,
artistas inovadoras, militantes incansáveis, guerreiras destemidas. Cantoras,
atrizes, professoras. Ricas, pobres, brancas, negras, indígenas. Mulheres de
todos os tipos, retratadas de uma maneira que permite ao leitor entender um
pouquinho mais sobre elas, mas por meio de uma linguagem acessível e de fácil
compreensão (algo que nem sempre encontramos em estudos acadêmicos).
[...]
Resumindo, Extraordinárias:
Mulheres Que Revolucionaram o Brasil é uma excelente porta de entrada para quem
quer saber mais sobre feminismo e sobre o papel da mulher nas mudanças
históricas e sociais do nosso país. De forma leve e com muita informação
interessante, o livro tem a excelente iniciativa de dar espaço a nomes muitas
vezes esquecidos. [...]
(Fonte: SYBILLA, Lady. Resenha: Extraordinárias, Mulheres Que Revolucionaram o Brasil, de Aryane Cararo e Duda Porto de Souza. Disponível em: momentumsaga.com / https://bit.ly/3iAiuGl)
OUTRAS RESENHAS SOBRE ESTA OBRA:
- Extraordinárias - Mulheres Que Revolucionaram o Brasil. Disponível em: queriaestarlendo.com.br / https://bit.ly/3izBYLu
- ANDRADE, Isabella. História de grandes mulheres do Brasil é contada em livro. Disponível em: correiobraziliense.com.br / https://bit.ly/3leZUpg
(Fonte: canal Aventuras na Leitura - YouTube / https://bit.ly/2YvQOM1)
(Fonte: canal TV Câmara São Paulo - YouTube / https://bit.ly/2Yk96A1)
Trilha Antirracista / HQ: ANGOLA JANGA, de Marcelo D'Salete
A cena, que teria acontecido no Brasil colonial do século 17, pode não ter se dado exatamente assim, mas a sua essência é verdadeira: são historicamente verificáveis não só a frieza dos bandeirantes e sua violência na tomada dos Palmares como também sua percepção de que os mocambos eram mais do que simples esconderijos – eram espaços de resistência.
É o que mostra a graphic novel Angola Janga (Veneta), do quadrinista e professor Marcelo D’Salete, de onde a cena foi retirada. Recém-publicada, a história em quadrinhos retrata de forma épica a resistência dos homens e mulheres fugidos da escravidão e narra os eventos que levaram à invasão do mocambo de Macaco, em 1694, um ataque que destruiria o assentamento, mas não os quilombolas.
Mais do que uma simples narrativa, Angola Janga é uma forma de subverter a história embranquecida e suavizada da escravidão no Brasil. Isso porque D’Salete partiu de uma longa pesquisa em documentos de época e obras historiográficas para compreender o período – e utilizou todo o material encontrado de forma crítica na reconstrução da história de Palmares.
“Grande parte dos registros sobre Palmares são de pessoas que queriam destruí-lo. Não há documentos do ponto de vista dos palmaristas. Por isso, é preciso ter cuidado: a gente precisa rever estes documentos, colocá-los em dúvida e tentar ir além do que tem ali”, diz o autor.
Com essa estratégia, D’Salete passa longe de idealizar a história que narra. Além de desconstruir a imagem do “bandeirante herói” (que até hoje circula na historiografia nacional), ele usa como motor da narrativa as dissidências entre as lideranças do próprio quilombo. A principal delas é a causada pelo Acordo de Cucaú (1678), que prometia um pedaço de terra aos quilombolas que se rendessem à Coroa – mas, como só os nascidos em Palmares teriam sua liberdade garantida pelo acordo, o resultado foi um rompimento dentro dos mocambos.
“Depois da ditadura militar no Brasil, Palmares se tornou uma imagem de resistência, de autonomia e liberdade onde tudo é possível. É uma interpretação interessante até para a construção da identidade dos movimentos negros, mas hoje temos que procurar ver Palmares de outros modos. Só assim entenderemos a complexidade da nossa história”, afirma o quadrinista.
Por isso, além das dissidências políticas, D’Salete apresenta outras contradições: personagens negros e indígenas que trabalham para a Coroa Portuguesa no encalço dos palmaristas; negros de pele clara que viviam como feitores e capitães do mato; homens brancos e pobres que viviam nos Palmares; colonos que ajudavam a defender os mocambos, com os quais travavam comércio. “São coisas que a gente desconhece porque não há interesse em perpetuar essa história”, diz.
Por outro lado, os costumes, os dialetos e toda a cultura ancestral que eram a base de Palmares – e que, por vezes, também são temas ignorados pela historiografia – são bem representados pelos traços de D’Salete: Angola Janga retrata vestimentas, comidas, rituais, formas de organização militar e até crenças afro-indígenas. “Os palmaristas eram pessoas que buscavam por autonomia na forma de organizar-se politicamente, de dividir os frutos do trabalho, de se relacionar com a terra e até mesmo com o tempo”, completa o autor.
No final do livro, há um anexo com um material precioso sobre a história dos Palmares e da cultura afro-brasileira criada nos mocambos: mapas mostrando a extensão do quilombo, uma linha do tempo com os principais acontecimentos da guerra contra os palmaristas, estimativas do número de pessoas sequestradas da África durante a escravidão e, por fim, um glossário com alguns termos apresentados por D’Salete ao longo da obra.
Mestre em História da Arte pela USP e autor de outras HQs com temas semelhantes, como Cumbe (2014), D’Salete acredita que recuperar a história renegada de Palmares em um formato como os quadrinhos pode ser uma boa arma contra o racismo e a desigualdade social que deriva em grande parte da escravidão.
“Desde aquela época, não superamos muitos dos problemas que acometem as populações negras, indígenas e pobres, grupos que são historicamente marginalizados. Hoje, com mais informação circulando, essas pessoas podem conhecer a própria história e levantar-se como sujeitos. É o que gostaria de passar com Angola Janga”, conclui.
(Fonte: revistacult.com.br / https://bit.ly/3AbYY94)
Outras resenhas sobre esta obra:
- CUSTÓDIO, Harion. Angola Janga: quadrinho e representação histórica. Disponível em: Portal Literafro / https://bit.ly/2ZWg5iZ
- RANIERI, Raphael. Angola Janga – Um recorte
inalienável da história negra brasileira! Disponível em formigaeletrica.com.br
/ https://bit.ly/3uFCTi3
Vídeo-resenhas sobre esta obra:
(Fonte: canal Kitinet HQ Quadrinhos - YouTube / https://bit.ly/3BbQYGI)
(Fonte: canal Aline Aimee - YouTube / https://bit.ly/2ZOuKws)
Marcelo D'Salete | Angola Janga | Exposição Narrativas
Negras
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Foto: Lela Beltrão - Reprodução - El País |
Publicou seu primeiro álbum,
Noite Luz, em 2008, pela editora Via Lettera, que também foi lançado na
Argentina. Em 2011, lançou Encruzilhada, pela editora Leya. O livro foi
indicado ao prêmio HQMIX 2012.
Em 2014, publicou seu primeiro livro pela Veneta: CUMBE, que chamou a atenção até da imprensa internacional, antes mesmo das edições estrangeiras, que vieram na sequência: pela Polvo (de Portugal), a çà et là (França), Am-Book (Áustria/Alemanha), BeccoGiallo (Itália) e pela Fantagraphics (Estados Unidos). CUMBE foi indicado ao HQMIX 2015 (categorias desenhista, roteirista e edição nacional); selecionado pelo Plano Ler + para leitura em escolas de Portugal e indicado ao prêmio RUDOLPH DIRKS AWARD 2017 (categoria roteiro) na Alemanha. Em julho de 2018, a edição norte-americana do livro, publicada com o título Run For It, venceu o mais importante prêmio da indústria dos quadrinhos nos Estados Unidos, o Eisner Awards, na categora "melhor edição norte-americana de material estrangeiro". Em 2016, a Veneta relançou ENCRUZILHADA, com acréscimo de uma nova história em quadrinhos. ANGOLA JANGA – UMA HISTÓRIA DE PALMARES é seu livro mais recente e ganhou o prêmio Grampo 2018.
Marcelo D’Salete ilustrou
também os livros infantis Ai de tí, Tietê, de Rogério Andrade Barbosa; Duas
Casas, de Claudia Dragonetti; E Assim Surgiu o Maracanã, de Sandra Pina; Zagaia
e Da Cabula, de Allan Santos da Rosa; As descobertas de Paulinho na Metrópole,
de Marina Torres; Olho Mágico, de Tiago Melo; A Rainha da Bateria, de Martinho
da Vila, e diversos outros.(Foto: Rafael Roncato)
Seus originais já foram
expostos na Europa e na África.
(Fonte: veneta.com.br / https://bit.ly/2YryeVh)
sexta-feira, 1 de outubro de 2021
Trilha Antirracista / História: HISTÓRIA DA ÁFRICA E DO BRASIL AFRODESCENDENTE, de Yanaê Lopes dos Santos
O avesso da história: da África ao Brasil afrodescendente
“Até que os leões inventem suas histórias, os caçadores serão sempre os heróis das narrativas de caça.” Não é por acaso que o provérbio africano já está logo na página de abertura do livro História da África e do Brasil Afrodescendente (Ed. Pallas, 407 p., 2017). Faz sentido. Para a autora, Ynaê Lopes dos Santos, professora adjunta do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDoc), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a frase ilustra o enfoque com que procurou contar a história nos dois lados do Atlântico. Como explica a autora, história é construção. “Portanto, ao se mostrar a possibilidade de outros olhares, também se abre a perspectiva de novos enfoques.”
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O livro foi pensado a partir da obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana nas escolas de Ensino Fundamental e contou com o apoio de um Auxílio Básico à Pesquisa (APQ 1), da FAPERJ. “Procurei diminuir o hiato entre o que se produz na Academia e o que era ensinado nos colégios. Afinal, o Brasil é um país cuja história foi construída por milhares de africanos e seus descendentes, homens e mulheres que durante muito tempo tiveram suas vidas e trajetórias pouco contadas ou totalmente silenciadas. Ampliar o conhecimento sobre esse passado é também uma forma de entendermos melhor o mundo e a nós mesmos. E tudo isso ajuda a construir a identidade de muitos estudantes – sobretudo os afrodescendentes – a partir de lastros históricos”, acrescenta Ynaê.
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Os diversos tipos físicos dos diferentes povos africanos trazidos como escravos para o Brasil (Reprodução: Debret, Kingsley, Morel, Reclus e Rugendas) |
Outro mito recorrente seria “uma maior facilidade” dos africanos em aceitar a escravidão já que muitas sociedades daquele continente a praticavam. Ela explica as enormes diferenças entre a escravidão moderna, como a que se deu não só no Brasil, mas em vários outros países das Américas até o século XIX, e a praticada nas sociedades africanas.
“Na escravidão moderna, a produção econômica, com suas plantações de produtos para exportação, dependia do trabalho escravo para funcionar, enquanto na África, o escravo era consequência de guerras ou conflitos internos e sua atuação era auxiliar o dono na roça e nos trabalhos domésticos. Mas, principalmente, não há mercado, o escravo não era considerado uma mercadoria, como para os europeus que atuavam no tráfico negreiro”, esclarece. A resistência à escravização ainda no continente africano também foi intensa. Caçados por povos inimigos ou por europeus, habitantes de aldeias inteiras fugiam para o interior. É célebre o caso da rainha Nzinga, do reino de Ndongo, na África Centro-Ocidental, que lutou bravamente contra os portugueses e ficou conhecida como uma grande guerreira.
Os que acabavam capturados e vendidos aos europeus tinham pela frente a longa travessia do chamado Calunga Grande, o oceano Atlântico. A viagem, que podia levar de 25 dias a dois ou três meses, dependendo do porto de destino, era um tormento a mais. Além das crenças, para muitos desses povos, de que o mar era a separação entre o mundo dos vivos e o dos mortos, eles vinham acomodados nos porões, em espaços que muitas vezes tinham apenas um metro de altura, o que só lhes permitia ficar sentados, enfileirados, um entre as pernas do seguinte, com permissão para subir ao convés para tomar sol, durante um breve intervalo no dia. O resultado era que boa parte dessa carga humana morria pelo caminho.
Para Ynaê Santos, a luta contra a discriminação está longe de acabar Uma vez no Brasil, esses africanos e seus descendentes tinham diante de si uma existência de trabalho, fosse nas plantações de cana-de-açúcar, na mineração, no plantio do algodão ou do café. Mas apesar das jornadas que variavam de 12 a 18 horas, alguns escravos aprenderam a negociar com seus senhores melhores condições de vida e mais espaços de autonomia, para, por exemplo, plantar sua própria roça e melhorar a alimentação. Com isso, às vezes eles conseguiam um pequeno excedente para vender e guardar o dinheiro obtido para no futuro comprar a sonhada alforria. “Essa acabou se tornando uma prática comum nos engenhos de açúcar e fazendas de café, já que também era um negócio vantajoso para os senhores. Tornava-se um incentivo para os escravos trabalharem com maior eficiência e diminuía a possibilidade de fuga, já que eles precisariam pensar duas vezes antes de abandonar suas pequenas plantações”, fala a autora.
Nas grandes cidades, como o Rio de Janeiro, além do trabalho doméstico, os escravos eram alugados para realizar uma série variada de tarefas. Eram os escravos de ganho, que ofereciam seus serviços pelas ruas e pelo comércio em troca de pagamento, que em parte era entregue a seu senhor. Fosse na estiva, junto ao porto, trabalhando como ferreiros, reparando o calçamento das ruas, fazendo a limpeza urbana ou vendendo de galinhas a doces e angu, a população escrava na cidade era numerosa, o que costumava chamar a atenção de viajantes estrangeiros.
O fato é que entre os séculos XVI e XIX, a resistência à escravidão se manifestou de diversas formas, seja fazendo "corpo mole" nas plantações, danificando ferramentas e máquinas de trabalho, como as engrenagens de uma casa de engenho, por exemplo. Além do enorme prejuízo pelo conserto do equipamento, isso também significava vários dias de trabalho parado. Eram atitudes arriscadas e, portanto, raras, já que se descoberto, o castigo era violento, como forma de exemplo para os demais. As fugas também foram frequentes, fosse como forma de negociar melhores condições de trabalho ou mesmo para conseguir juntar-se aos mocambos ou quilombos e viver longe do cativeiro. Embora o Quilombo dos Palmares, na Capitania de Pernambuco, tenha se tornado o mais conhecido e um dos mais duradouros, a verdade é que os quilombos se multiplicaram por todo o império. No Rio de Janeiro, também ficou conhecido o Quilombo das Camélias, no que mais tarde seria conhecido como o bairro do Leblon.
“A assinatura da Lei Áurea, em 1888, apenas acabou com o cativeiro no Brasil, mas não propôs nem ofereceu alternativas para os milhares de ex-escravos que tinham obtido a liberdade”, afirma Ynaê. Da mesma forma, a Proclamação da República, um ano mais tarde, também não significou qualquer mudança para os negros. “Na realidade, o novo projeto de Brasil defendido pelos republicanos entendia que a população negra era sinônimo de atraso. Para se tornar uma nação poderosa, era preciso que sua população fosse branca”, continua. Para isso, a ideia era branquear o país com levas de migrantes europeus, política que vigorou nos primeiros anos da República.
Mesmo enfrentando um enorme preconceito, alguns trabalhadores negros conseguiram se incluir no competitivo mercado de trabalho das principais cidades brasileiras, em fábricas ou em empregos informais. Alguns deles conseguiram se destacar, o que possibilitou a formação de algumas poucas famílias de classe média. Para discutir a discriminação e pensar alternativas para melhorar as condições de vida dos afro-brasileiros, trabalhadores e intelectuais negros criaram associações, grêmios, clubes e jornais. Em 1931, a Frente Negra Brasileira foi criada com o objetivo de integrar a população negra em pé de igualdade com o restante da sociedade. Rapidamente, a ela se associaram cerca de cem mil integrantes pelo País. Foi assim até 1938, quando a Frente Negra e todas as publicações da imprensa negra foram fechadas durante a ditadura Vargas.
A efervescência dos anos 1960 trouxe à tona os diferentes movimentos libertários, entre eles o Black Power americano, o reggae jamaicano e as lutas anticolonialistas na África. Os reflexos no Brasil se fizeram sentir nas décadas seguintes, com o surgimento de várias organizações de Movimento Negro pelo País, ao longo dos anos 1970 e 1980. “Embora seja inegável que inúmeras conquistas tenham sido alcançadas, como a configuração do racismo como crime inafiançável ou a lei de cotas para o ingresso de negros na universidade – também alvo de enorme polêmica –, essa luta ainda está longe de acabar”, conclui.
(Fonte: faperj.br / https://bit.ly/39U3COq)
VÍDEO-RESENHAS DESTA OBRA
(Fonte: canal Curta! - YouTube / https://bit.ly/3ooSUba)
(Fonte: canal Escola Parque Livre - YouTube / https://bit.ly/3opF1tf)
QUEM É YNAÊ LOPES DOS SANTOS?
(Foto: conversadehistoriadores.com)
Doutora em História Social
pela Universidade de São Paulo (2012), Mestre em História Social pela
Universidade de São Paulo (2007), bacharel e licenciada em História pela USP
(2002). Atualmente é Professora Adjunta no Instituto de História da
Universidade Federal Fluminense - UFF. Realiza Pesquisa na aérea de História da
América, com ênfase em Escravidão Moderna e Relações Étnico-Raciais nas
Américas, atuando principalmente nos seguintes temas: escravidão, América
ibérica, formação dos Estados Nacionais, cidades escravistas , relações étnico
raciais e ensino de história. Atualmente faz parte do Comitê Executivo do
BRASA.Informações coletadas do
Lattes em 17/09/2021(Fonte: escavador.com / https://bit.ly/3mguttP)
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(Foto: conversadehistoriadores.com) |
ANO 2024 - Bem-vindos!
CARDÁPIO DO MÊS - Abril 2024
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