A capa da HQ Carolina, de Sirlene Barbosa e João Pinheiros, mostra a escritora coberta por letras. Intencional ou não, a bela edição da Veneta, possibilita um prelúdio do que é a história da escritora que melhor descreveu a favela. Carolina Maria de Jesus escreveu “Quarto de Despejo” contando a vida na favela e colocando seus pensamentos no papel. Esses pensamento foram descobertos pelo jornalista Audálio Dantas, que na época apurava uma matéria para o jornal Folha da Noite (hoje Folha de São Paulo) e deu visibilidade a obra de Carolina, o que resultou na publicação do livro e popularização da escritora.
Se por um lado, a preocupação em apresentar uma biografia precisa é louvável, por outro, a HQ transmite a sensação de correr em alguns trechos e se alongar desnecessariamente em outros. É apenas um pequeno incômodo, que não chega a prejudicar realmente o fluxo da leitura. A HQ é muito coerente e apresenta uma um retrato da escritora até encontrar o sucesso e talvez seja justamente a coerência e linearidade que provoque certo desconforto. Carolina é uma HQ linda, inteligente e necessária, mas não se arrisca muito dentro do quadrinho. Entrega o que promete e arte é belíssima, mas embora o tema seja inovador, caberia mais ousadia em sua apresentação.
Resgatar artistas que desafiem uma norma de intelectualidade branca e elite é valorizar a diversidade de narrativas e possibilidades que um país plural como o nosso abriga. Em tempos de discussão sobre os direitos das minorias políticas, precisamos questionar o porquê de não lermos Carolina na escola, o porquê de não conhecermos sua obra em profundidade.
(Fonte: FARIAS, Meire. 1Resenha Por Dia: Carolina (Sirlene Barbosa e João Pinheiros). Disponível em: armazemdacultura.wordpress.com / https://bit.ly/31JsEzp)
OUTRAS RESENHAS SOBRE ESTA OBRA
- FONTANA, Daniel. Carolina - Superação Verídica! Disponível em: formigaeletrica.com.br / https://bit.ly/3ycucOb
- PEDROSO, Gustavo. Resenha: Carolina, de Sirlene Barbosa e João Pinheiro. Disponível em: gibiteriadiagonal.wordpress.com / https://bit.ly/30bZRmn
- SIMÕES, Isabelle. Carolina: literatura, classe, gênero e raça. Disponível em: deliriumnerd.com / https://bit.ly/3oFi7xH
VÍDEO-RESENHA SOBRE ESTA OBRA
Mais Carolina: Diário de Bitita e a HQ Carolina
(Fonte: canal Aline Aimee - YouTube / https://bit.ly/3pG9yC3)
QUEM FOI CAROLINA DE JESUS?
(Foto: Acervo Nacional) |
Além de instrumento de denúncia
social produzido por alguém que efetivamente vivia nessas condições de vida
devastadoras, suas mais de cinco mil páginas manuscritas, entre romances,
contos, crônicas, poemas, peças de teatro, canções e textos de gênero híbrido,
dotadas de estilo próprio, confrontam os ditames da tradição literária e da
norma padrão culta da língua. Carolina foi publicada em mais de 40 países e
traduzida para 14 línguas.
Natural da cidade de Sacramento,
sudeste de Minas Gerais, Carolina Maria de Jesus nasceu em 14 de março de 1914.
De origem muito humilde, era neta de escravos e uma entre os oito filhos de uma
lavadeira analfabeta. Desde criança manifestava o desejo intenso de aprender a
ler e a curiosidade incessante sobre o mundo — tudo perguntava, tudo queria
saber.
Incentivada por uma das freguesas
de sua mãe, Carolina ingressa aos sete anos no Colégio Alan Kardec. Cursa a
primeira e a segunda séries do primário, mas teve que deixar a escola, pois a
mãe não conseguia mais manter a si e aos filhos na cidade e resolveu mudar-se
para a roça. Moraram ainda em diversos outros lugares, como Ubatuba, Franca e
Ribeirão Preto, sempre lidando com dificuldades. Passaram fome, frio, não
tinham onde morar.
Carolina chegou a São Paulo em
1947. Sua rebeldia natural fazia com que não se adaptasse ao trabalho de
empregada doméstica. No ano seguinte, engravidou de um português, que a
abandonou. Na época, ninguém dava emprego para mãe solteira e Carolina foi
morar na rua. Foi então que chegou à favela do Canindé: o governador paulista
Adhermar de Barros mandara recolher todos os mendigos pelas ruas e despejá-los
num grande terreno à margem esquerda do rio Tietê.
Construiu seu próprio barraco,
onde nasceram seus três filhos, João José (1948), José Carlos (1950) e Vera
Eunice (1953), cada um de um relacionamento diferente. Carolina dizia que homem
algum ia entender sua necessidade literária, pois estava sempre às voltas com
os livros, os lápis, os cadernos, onde registrava tudo o que lhe cercava.
Foi no Canindé que seu talento
foi descoberto: um jornalista estava no local, em busca de material para uma
reportagem sobre a favela, que crescia acentuadamente. Viu Carolina ralhando
com um bando de marmanjos que não queriam desocupar o parquinho, ameaçando
colocar o nome deles em seu livro. O jornalista quis saber que livro era esse e
percebeu ali o talento da escritora. Publicou algum dos escritos no jornal e
reuniu os outros em Quarto de despejo, lançado em 1960.
A partir de então, Carolina
conheceu o sucesso e a ascensão social, sendo convidada para diversas
entrevistas e viagens, e virou assunto entre escritores de renome, como Rachel
de Queiroz e Manuel Bandeira. Lançou mais dois livros e gravou um LP com
canções de sua autoria. Foi traduzida para diversos idiomas e conhecida em
inúmeros países. Saiu finalmente da favela e mudou-se para uma casa no bairro
de Santana.
Entretanto o lampejo da fama
durou pouco: em suas próprias palavras, Carolina tinha virado um artigo de
consumo, alguém que é vista com curiosidade, mas descartada depois que a moda
passa. Teve de voltar à condição de catadora de papel para garantir sua
sobrevivência.
Morte
Carolina Maria de Jesus morreu no
dia 13 de fevereiro de 1977, com 63 anos, cansada, asmática, esquecida pelo
mercado editorial, morando num sítio em Parelheiros. Os livros publicados depois
de Quarto de despejo não tiveram o sucesso do primeiro. O descaso fez com que a
autora fosse preterida pelo cânone literário, mas a magnitude de seu trabalho
criativo ressurge, nos últimos anos, devolvendo-lhe o epíteto de grande
escritora que ela sempre soube ser seu.
Obras publicadas em vida
Quarto de despejo: diário de uma
favelada (1960)
Casa de alvenaria: diário de uma
ex-favelada (1961)
Pedaços da fome (1963)
Provérbios (1965)
Publicações póstumas
Diário de Bitita (1986)
Meu estranho diário (1996)
Antologia pessoal (1996)
Onde estaes felicidade? (2014)
Autora prolífica de diversos
gêneros textuais, Carolina morreu deixando muitos manuscritos que, até os dias
de hoje, não foram publicados.
(Foto: Acervo Nacional) |
Livro de estreia da autora, foi o
que lhe rendeu a fama e a importância em nossa literatura. Escrito em papéis
que coletava dos lixos e das ruas da metrópole, separados entre os outros
materiais recicláveis que garantiam o seu sustento, Quarto de despejo é um
compilado dos diários da vida de Carolina, e reverbera em suas páginas a dureza
da fome, o cheiro do lixo, a existência de tantos brasileiros que vivem em meio
à miséria e aos dejetos:
“Quando estou na cidade tenho a
impressão que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus
tapetes de viludo, almofadas de sitim. E quando estou na favela tenho a
impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo.”
(Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo, 1960, p. 37)
Ao quarto de despejo destina-se
aquilo que não se quer mais, aquilo que se afasta dos olhos, que é descartável,
indesejado. O livro revela ao leitor as condições degradantes de quem vive das
sobras, num contexto de extrema pobreza na favela do Canindé, onde humanos
conviviam com ratos e abutres, e o rio Tietê, muito próximo, tantas vezes
inundava os barracos com lixo e dejetos.
A sujeira é um tema constante,
junto com a pobreza, a fome e o racismo: sem dinheiro nem para comprar sabão,
Carolina expõe o preconceito existente dentro da favela — um dos moradores
chama-a de “preta imunda e vagabunda” —, desfazendo, entre muitos outros
exemplos, o estereótipo do favelado unido e fraterno.
Ela mesma sentia-se superior por
guardar entre seus pertences livros como Os miseráveis, de Victor Hugo, Éramos
seis, de Leandro Dupré, e Primaveras, de Casimiro de Abreu, e acreditava
vingar-se de seus vizinhos: porque era preta, favelada e miserável, mas
escritora.
(Foto: Acervo Nacional) |
Quarto de despejo tornou-se um
best seller, ultrapassando a venda de 10 mil exemplares em uma semana, tendo
oito edições no ano de seu lançamento. Foi traduzido para 16 idiomas, publicado
em 46 países e é um importante meio de denúncia de um Brasil extremamente
desigual, uma tentativa literária de escapar a condições de vida sem o mínimo
necessário para a sobrevivência, retrato lúcido de um país racista, esfomeado e
sombrio, que não aparecia na grande mídia.
(Fonte: BRANDINO, Luiza. Carolina Maria de Jesus. Disponível em: mundoeducacao.uol.com.br / https://bit.ly/3LIYFcU)
OUTRA INDICAÇÃO DE BIOGRAFIA
- Carolina Maria de Jesus. Disponível em LITERAFRO (letras.ufmg.br/literafro) / https://bit.ly/3579Mf6
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