sábado, 29 de junho de 2024

Livro da Semana: DEZ DIAS NO MANICÔMIO, de Nellie Bly

Um muro e uma ilha separavam um grupo de mulheres do resto da sociedade nova iorquina nas últimas décadas do século XIX. A ilha se chamava, na época, Blackwell (hoje, Ilha Roosevelt) e o muro cercava um hospital psiquiátrico nela localizado, onde se misturavam mulheres de todas as classes, mas nem todas eram doentes mentais. Os motivos para internação e exílio social daquelas mulheres eram variados, alguns obscuros. A jovem jornalista do New York World,
Elizabeth Cochran, aceitou o desafio de seu editor chefe, Joseph Pullitzer (sim, foi ele quem criou o maior prêmio de jornalismo anos mais tarde) para se internar como uma paciente e desvendar o que realmente ocorria dentro das paredes daquela instituição de saúde. Para isso, Elizabeth teve que atuar como uma verdadeira atriz, passando-se por louca para conseguir entrar e ficar no manicômio feminino, sem saber como e se iria conseguir sair. Eram muitos riscos, tanto pessoais, quanto profissionais. Por mais que o jornal para o qual trabalhava lhe desse suporte. Elizabeth, que já usava o pseudônimo de Nellie Bly em sua profissão, adotaria agora o falso nome de Nellie Brown. Ela realizou um trabalho de jornalismo investigativo primoroso, e reuniu todas suas reportagens sobre esse projeto em um livro que denunciava os maus tratos físicos e psicológicos sofridos pelas internas por parte de médicos e enfermeiras, dando visibilidade e denunciando aquilo que estava oculto da sociedade. Esse livro, finalmente chegou ao Brasil em 2021, com 133 anos de atraso, mas em uma época em que a desconstrução do sistema de saúde que mantinha doentes mentais em manicômios e hospícios estava em pleno andamento através da Reforma Psiquiátrica*
(Texto: André Luiz Gattás)

* A Reforma Psiquiátrica no Brasil, também conhecida como Luta Antimanicomial, visa melhorar os cuidados com a saúde mental no país. A reforma substituiu os tratamentos baseados na exclusão, violência e internações compulsórias por uma Rede de Atenção Psicossocial (Raps). A Raps organiza o atendimento de pessoas com problemas mentais, desde os mais graves até os menos complexos, e oferece acolhimento gratuito e integral pela rede pública de saúde.

A reforma também determinou o fechamento de hospitais e o aumento do número de Centros de Atenção psicossocial (CAPS). Os CAPS oferecem recursos fundamentais para a reinserção social de pessoas com transtornos mentais. Atualmente, existem no Brasil 251 CAPS I, 266 CAPS II, 25 CAPS III, 56 CAPSi e 91 CAPSad. No entanto, a reforma ainda enfrenta desafios, como a insuficiente implantação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais e o aumento das internações em hospitais psiquiátricos no segmento de planos privados de saúde.

(Fonte: IA)

CAPS I: Atende pessoas de todas as faixas etárias que apresentam prioritariamente intenso sofrimento psíquico decorrente de problemas mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados as necessidades decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Indicado para municípios ou regiões de saúde com população acima de 15 mil habitantes.

CAPS II: Atende prioritariamente pessoas em intenso sofrimento psíquico decorrente de problemas mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso decorrente de álcool e outras drogas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Indicado para municípios ou regiões de saúde com população acima de 70 mil habitantes.

CAPS i: Atende crianças e adolescentes que apresentam prioritariamente intenso sofrimento psíquico decorrente de problemas mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso decorrente de álcool e outras drogas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Indicado para municípios ou regiões com população acima de 70 mil habitantes.

CAPS ad Álcool e Drogas:  Atende pessoas de todas as faixas etárias que apresentam intenso sofrimento psíquico decorrente do uso de álcool e outras drogas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Indicado para municípios ou regiões de saúde com população acima de 70 mil habitantes.

CAPS III: Atende prioritariamente pessoas em intenso sofrimento psíquico decorrente de problemas mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso decorrente de álcool e outras drogas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida.

Proporciona serviços de atenção contínua, com funcionamento 24 horas, incluindo feriados e finais de semana, ofertando retaguarda clínica e acolhimento noturno a outros serviços de saúde mental, inclusive CAPSad, possuindo até 05 (cinco) leitos para acolhimento noturno. Indicado para municípios ou regiões de saúde com população acima de 150 mil habitantes.

CAPS ad III Álcool e Drogas: Atende adultos, crianças e adolescentes, considerando as normativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, com sofrimento psíquico intenso e necessidades de cuidados clínicos contínuos.

Serviço com no máximo 12 leitos de hospitalidade para observação e monitoramento, de funcionamento 24 horas, incluindo feriados e finais de semana; indicado para municípios ou regiões com população acima de 150 mil habitantes.

(Fonte: Ministério da Saúde - https://bit.ly/3RRtEZ1)

TRECHO DE UMA RESENHA

(...) Ao relembrar sua saída, providenciada pelo World, a repórter não escondeu a tristeza que sentiu ao se despedir de todas as suas companheiras de suplício, agravada pela consciência de que ela caminhava para a liberdade e a vida, enquanto elas ficavam para trás, condenadas a “um destino pior que a morte”. Como nos trabalhos de denúncia mais consistentes, as duas reportagens reunidas no livro Dez dias num hospício produziram efeitos bem concretos: depois de uma acurada investigação judicial, que contou com a colaboração direta de Nellie Bly, a cidade de Nova Iorque passou a destinar anualmente um valor adicional de 1 milhão de dólares para melhorar as condições dos seus hospitais psiquiátricos.

Em sua obra, essa indômita jornalista do século XIX nos ensina o que o melhor jornalismo pode oferecer: abordar temas socialmente relevantes, cumprir papel investigativo para desvelar o que as diferentes instâncias de poder querem esconder, produzir mudanças e, de quebra, ser muito bem escrito.

(Fonte: domínio público)
Sua narrativa, de inegável qualidade literária, a consagraria, mais de dois anosdepois, com uma série de reportagens sobre a viagem ao redor do mundo que empreendeu entre novembro de 1889 e 1890. Desta vez, quem propôs a pauta foi ela. Queria superar o tempo de Phileas Fogg, personagem ficcional do livro A Volta ao Mundo em 80 Dias, do escritor francês Júlio Verne, publicado pouco tempo antes, em 1873.  O editor lhe informou que o World já tivera essa ideia e planejava mandar um repórter para realizá-la, mas que poderia contar com seu apoio. Os dois se dirigiram à sala do gerente comercial, irredutível em sua decisão de escolher um homem para a viagem. A resistência do responsável pelas finanças terminou depois de um curto diálogo:

– É impossível que você faça isso. Em primeiro lugar você é uma mulher e precisaria de um protetor. E mesmo que fosse possível para você viajar sozinha, você teria que carregar tanta bagagem que isso atrapalharia fazer mudanças rápidas de transporte. Além do mais, você só fala inglês. Então, não faz sentido termos essa conversa, ninguém além de um homem pode fazer essa viagem!

– Muito bem. Mande um homem. E eu vou começar a viagem no mesmo dia para outro jornal e vou vencê-lo.

Tamanha determinação atingiu o apogeu na tarde de 25 de janeiro de 1890. Depois de percorrer mais de 40 mil quilômetros pela Europa, África, Ásia e América viajando de diferentes formas, de navio a vapor, trem e até a cavalo, Nellie Bly desembarcou na estação de trem de Jersey City diante de milhares de pessoas que aguardavam a sua chegada. Um furor. Ela tinha concluído o percurso em 72 dias, seis horas, 11 minutos e 14 segundos, ultrapassando não apenas o personagem de Júlio Verne, mas sua própria meta, a de completar o roteiro em 75 dias. O conjunto de reportagens, com textos e informações enviados pelo correio e pelo telégrafo durante o trajeto para a redação do World em Nova Iorque, também foi publicado em formato de livro no mesmo ano. Em 1º de julho de 2021, a Ímã Editorial, do Rio de Janeiro, lançou a obra no Brasil, com o título de Volta ao mundo em 72 dias. O jornalismo e a história agradecem.

Para ler essa resenha excelente na íntegra acesse o link abaixo

SILVEIRA, Mauro César. Uma Repórter no Meio do Inferno. Disponível em: Jornalismo&História, Universidade de Santa Catarina, 17/09/2021  (https://bit.ly/3VBAfYI)

OUTRAS RESENHAS

COSTA, Cristiane. Uma Estranha no Ninho. Disponível em: Quatro cinco um, 23/08/2021, edição #49 (https://bit.ly/3zni7dB)

BORGES, Renata. Dez dias em um hospício Nellie Bly. Disponível em retipatia.com (https://bit.ly/3XPNojo)

VÍDEO-RESENHAS


(Fonte: canal Ler Até Amanhecer/YouTube - https://bit.ly/3RKS3zi)

DEZ DIAS NUM HOSPÍCIO, de Nellie Bly

(Fonte: canal Rodrigo Villela - Leia Para Viver/YouTube - https://bit.ly/3zjbmJY)


(Fonte: canal Pulp Fiction com Lucas Dallas/YouTube -https://bit.ly/4blN8vL) 

Como É Passar 10 Dias no Hospício
(Fonte: canal Daniel M. de Barros/YouTube - https://bit.ly/3xzitgP)


(Fonte: canal Epílogo/YouTube - https://bit.ly/4cFAqZX)


História de vida: Elizabeth Cochrane, também conhecida como Nellie Bly (1864-1922) - jornalista viajante e investigadora de casos

A história de uma jornalista investigativa que usou sua carreira para lançar luz sobre os horrores da vida urbana e quebrar estereótipos de gênero.

(Fonte: domínio público)
Elizabeth Cochran nasceu em 5 de maio de 1864 em Cochran's Mills, Pensilvânia. A cidade foi fundada por seu pai, o juiz Michael Cochran. Elizabeth tinha quatorze irmãos. Seu pai teve dez filhos de seu primeiro casamento e cinco filhos de seu segundo casamento com a mãe de Elizabeth, Mary Jane Kennedy.

A ascensão de Michael Cochran de operário a proprietário de usina e a juiz significou que sua família vivia muito confortavelmente. Infelizmente, ele morreu quando Elizabeth tinha apenas seis anos e sua fortuna foi dividida entre seus muitos filhos, deixando a mãe de Elizabeth e seus filhos com uma pequena fração da riqueza que antes desfrutavam. A mãe de Elizabeth logo se casou novamente, mas rapidamente se divorciou do segundo marido por causa de abusos e mudou a família para Pittsburgh.

Elizabeth sabia que precisaria se sustentar financeiramente. Aos 15 anos, matriculou-se na Escola Normal Estadual em Indiana, Pensilvânia, e acrescentou um "e" ao seu sobrenome para soar mais distinta. Seu plano era se formar e encontrar uma posição como professora. No entanto, depois de apenas um ano e meio, Elizabeth ficou sem dinheiro e não conseguiu mais pagar a mensalidade. Ela voltou para Pittsburgh para ajudar sua mãe a administrar uma pensão.

Em 1885, Elizabeth leu um artigo no Pittsburgh Dispatch que argumentava que o lugar da mulher era em casa, “para ser uma companheira para um homem”. Ela discordou veementemente dessa opinião e enviou uma carta furiosa ao editor assinada anonimamente como “Lonely Orphan Girl” (garota órfã solitária).

O editor do jornal, George A. Madden, ficou tão impressionado com a carta que publicou uma nota pedindo à “Garota Órfã Solitária” que revelasse seu nome. Elizabeth marchou até os escritórios do jornal Pittsburg Dispatch e se apresentou. Madden imediatamente ofereceu-lhe um emprego como colunista. Pouco depois da publicação de seu primeiro artigo, Elizabeth mudou seu pseudônimo de “Lonely Orphan Girl” para “Nellie Bly”, em homenagem a uma canção popular.

Elizabeth se posicionou como uma repórter investigativa. Ela foi disfarçada em uma fábrica onde experimentou condições de trabalho inseguras, salários baixos e longas horas. Suas reportagens honestas sobre os horrores da vida dos trabalhadores atraíram atenção negativa dos donos de fábricas locais. O chefe de Elizabeth não queria irritar a elite de Pittsburgh e rapidamente a transferiu como colunista de sociedade.

Para escapar de escrever sobre questões femininas na página da sociedade, Elizabeth se ofereceu para viajar para o México. Ela morou lá como correspondente internacional do Dispatch por seis meses. Quando ela voltou, ela foi novamente designada para a página da sociedade e imediatamente renunciou em protesto.

Elizabeth esperava que a enorme indústria jornalística da cidade de Nova York fosse mais receptiva a uma jornalista mulher e deixou Pittsburgh. Embora vários jornais tenham recusado sua inscrição por ela ser mulher, ela finalmente recebeu a oportunidade de escrever para o New York World de Joseph Pulitzer.

Em seu primeiro ato de jornalismo “de dublê” para o World, Elizabeth fingiu ser doente mental e arranjou para ser uma paciente no asilo de loucos para pobres de Nova York, Blackwell's Island. Por dez dias, Elizabeth experimentou os abusos físicos e mentais sofridos pelos pacientes.

O relatório de Elizabeth sobre a Ilha de Blackwell rendeu-lhe uma posição permanente como jornalista investigativa para o mundo. Ela publicou seus artigos em um livro intitulado 10 Days in A Mad House. Nele, ela explicou que a cidade de Nova York investiu mais dinheiro no cuidado de doentes mentais depois que seus artigos foram publicados. Ela ficou satisfeita em saber que seu trabalho levou à mudança.

Jornalistas ativistas como Elizabeth — comumente conhecidas como muckrakers — foram uma parte importante dos movimentos de reforma. As investigações de Elizabeth chamaram a atenção para as desigualdades e frequentemente motivaram outros a agir. Ela descobriu o abuso de mulheres por policiais homens, identificou uma agência de empregos que estava roubando de imigrantes e expôs políticos corruptos. Ela também entrevistou figuras influentes e controversas, incluindo Emma Goldman em 1893.

A mais famosa das façanhas de Elizabeth foi sua bem-sucedida viagem de setenta e dois dias ao redor do mundo em 1889, para a qual ela tinha dois objetivos. Primeiro, ela queria bater o recorde estabelecido na popular turnê mundial fictícia de A Volta ao Mundo em Oitenta Dias, de Júlio Verne. Em segundo lugar, ela queria provar que as mulheres eram capazes de viajar tão bem – se não melhor – que os homens. Elizabeth viajou com pouca bagagem, levando apenas o vestido que usava, uma capa e uma pequena bolsa de viagem. Ela desafiou a suposição estereotipada de que as mulheres não poderiam viajar sem muitas malas, trocas de roupa e itens de toalete. Sua turnê mundial fez dela uma celebridade. Após seu retorno, ela percorreu o país como palestrante. Sua imagem foi usada em tudo, desde cartas de baralho até jogos de tabuleiro. Ela contou suas aventuras em seu último livro, Volta ao Mundo em 72 Dias.

Em 1895, Elizabeth se aposentou da escrita e se casou com Robert Livingston Seaman. Robert era um milionário que era dono da Iron Clad Manufacturing Company e da American Steel Barrel Company. Quando Robert morreu em 1904, Elizabeth assumiu brevemente como presidente de suas empresas.

(Elizabeth Cochrane aos 55 anos - 1919)
Em 1911, ela retornou ao jornalismo como repórter do New York Evening Journal. Ela cobriu uma série de notícias nacionais, incluindo a Parada do Sufrágio Feminino de 1913 em Washington, DC. Elizabeth frequentemente se referia ao sufrágio em seus artigos, argumentando que as mulheres eram tão capazes quanto os homens em todas as coisas. Durante a Primeira Guerra Mundial, ela viajou para a Europa como a primeira mulher a reportar das trincheiras na linha de frente.

Embora Elizabeth nunca tenha recuperado o nível de estrelato que experimentou após sua viagem ao redor do mundo, ela continuou a usar sua escrita para lançar luz sobre questões do dia. Ela morreu de pneumonia em 27 de janeiro de 1922.

Vocabulário

muckrakers:  Jornalistas ativistas que escreveram sobre os problemas da sociedade com o objetivo de motivar os leitores a agir.

página da sociedade:  A parte de um jornal que se concentra em notícias sociais, incluindo fofocas e eventos culturais.

jornalismo acrobático:  Jornalismo que inclui o escritor participando de algum tipo de ato inesperado e fantástico.

sufrágio:  O direito de votar; naquela época, o sufrágio frequentemente se referia especificamente ao sufrágio feminino, ou ao direito das mulheres de votar.

(Fonte: Women & The American Story - https://bit.ly/3RJReab)

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