terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

LIVRO DA SEMANA 1: PRIMEIRAS ESTÓRIAS, de João Guimarães Rosa

“Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.” 
(trecho do conto O Espelho, em Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa)

Esta obra reúne vinte e um contos desse escritor que tem um cantar em sua prosa, porque resgata, o tempo todo, o modo de falar do sertanejo mineiro, criando neologismos¹ e fazendo uso de vocábulos que muitos de nós, cidadãos urbanos, desconhecemos. Então, quando lemos os livros de Guimarães Rosa, somos levados a entrar na “vibe”² do som das palavras e do modo que se usa tais palavras, desse regionalismo linguístico e cultural, num mundo que, em muitos aspectos, se mostra diferente do nosso. Embora seus textos e seu estilo tenham sido criticados  pelas elites acadêmicas com alguma frequência, isso não deixou de leva-lo ao topo da classificação de um dos grandes escritores mundiais, colocando suas obras na categoria de “literatura universal” e, assim, foi traduzido (tarefa dificílima nesse caso) e publicado em vários países. Outra coisa interessante diz respeito ao título desse livro. Vocês devem ter notado a palavra “estória” ao invés de “história”, como seria o correto ortograficamente. Isso foi proposital, já que na língua inglesa existe esta diferença entre “history” (a história geral, do homem, do mundo, etc.) e “story” (uma narrativa ficcional ou não, uma história que alguém conta). E porque ele utilizou esse recurso? Para chamar a atenção para as antigas histórias contadas oralmente pelos sertanejos, os conhecidos “causos” contados ao pé da mesa da cozinha, na varanda das casas das fazendas, em volta da fogueira no meio da mata quando a tropa descansava durante o jantar. Isso fez e faz parte do imaginário das pessoas daquela região do Brasil e Guimarães Rosa faz um resgate dessa cultura com muita arte e criatividade. Um tema recorrente nesses vinte e um contos é o desejo de imortalidade em contraste com o inevitável encontro com a morte e todos os aprendizados que a vida oferece ao ser humano antes do dia da travessia. Os contos narram situações banais, com personagens simples, mas que demostram a beleza, o amor pela terra e o encantamento com a vida, a natureza e o mistério que elas guardam.

1. Neologismo:
a. emprego de palavras novas, derivadas ou formadas de outras já existentes, na mesma língua ou não.
b. atribuição de novos sentidos a palavras já existentes na língua.
2. Vibe: é um termo utilizado para falar da energia, seja de alguém ou de alguma coisa. É uma diminuição da palavra vibration (do inglês), que significa vibração, e é muito usada por jovens para descrever pessoas, lugares ou coisas. Mas o termo vibe também pode ser utilizado para falar sobre um momento ou um lugar. 
(Texto: André Luiz Gattás)

CONHEÇA OS ENREDOS DOS CONTOS DE “PRIMEIRAS HISTÓRIAS”, de Guimarães Rosa

I - "As margens da alegria".

Um menino descobre a vida, em ciclos alternados de alegria (viagem de avião, deslumbramento pela flora, e fauna) e tristeza (morte do peru e derrubada de uma árvore).

II - "Famigerado".

O jagunço Damázio Siqueira atormenta-se com um problema vocabular: ouviu a palavra "famigerado" de um moço do governo e vai procurar o farmacêutico, pessoa letrada do lugar, para saber se tal termo era um insulto contra ele, jagunço.

III - "Sorôco, sua mãe, sua filha".

Um trem aguarda a chegada da mãe e da filha de Sorôco, para conduzi-las ao manicômio de Barbacena. Durante o trajeto até a estação, levadas por Sorôco, elas começam surpreendentemente a cantar.

Quando o trem parte, Sorôco volta para casa cantando a mesma canção, e os amigos da cidadezinha, solidariamente, cantam junto.

IV - "A menina e lá".

Nhinhinha possuía dotes paranormais: seus desejos, por mais estranhos que fossem, sempre se realizavam. Isolados na roça, seus parentes guardam em segredo o fenômeno, para dele tirar proveito. As reticentes falas da menina tinham caráter de premonição: por exemplo, o pai reclamara da impiedosa seca.

Nhinhinha "quis" um arco-íris, que se fez no céu, depois de alentadora chuva. Quando ela pede um caixãozinho cor-de-rosa com enfeites brilhantes ninguém percebe que o que ela queria era morrer...

V - "Os irmão Dagobé".

O valentão Damastor Dagobé, depois de muito ridicularizar Liojorge, é morto por ele. No arraial, todos dão como certa a vingança dos outros Dagobé : Doricão , Dismundo e Derval. A expectativa da revanche cresce quando Liojorge comunica a intenção de participar do enterro de Damastor.

Para surpresa de todos, os irmãos não só concordam, como justificam a atitude de Liojorge, dizendo que Damastor teve o fim que mereceu.

VI - "A terceira margem do rio".

Um homem abandona família e sociedade, para viver à deriva numa canoa, no meio de um grande rio. Com o tempo, todos, menos o filho primogênito, desistem de apelar para o seu retorno e se mudam do lugar. O filho, por vínculo de amor, esforça-se para compreender o gesto paterno: por isso, ali permanece por muitos anos.

Já de cabelos brancos e tomado por intensa culpa, ele decide substituir o pai na canoa e comunica-lhe sua decisão. Quando o pai faz menção de se aproximar, o filho se apavora e foge, para viver o resto de seus dias ruminando seu "falimento" e sua covardia.

VII - "Pirlimpsiquice".

Um grupo de colegiais ensaia um drama para apresentá-lo na festa do colégio. No dia da apresentação, há um imprevisto, e um dos atores se vê obrigado a faltar. Como não havia mais possibilidade de se adiar a apresentação, os adolescentes improvisam uma comédia, que é entusiasticamente bem recebida pela platéia.

VIII - "Nenhum, nenhuma".

Uma criança, não se sabe se em sonho ou realidade, passa férias numa fazenda, em companhia de um casal de noivos, de um homem triste e de uma velha velhíssima, de quem a noiva cuidava.

O casal interrompe o noivado, e o menino, que conhecera o Amor observando-os, volta para a casa paterna. Lá chegando, explode sua fúria diante dos pais ao notar que eles se suportavam, pois tinham transformado seu casamento num desastre confortável.

IX - "Fatalidade".

Zé Centeralfe procura o delegado de uma cidadezinha, queixando-se de que Herculinão Socó vivia cantando sua esposa. A situação tornara-se tão insuportável que o casal mudara de arraial. Não adiantou: o Herculinão foi atrás.

O delegado, misto de filósofo, justiceiro e poeta, depois de ouvir pacientemente a queixa, procura o conquistador e, sem a mínima hesitação, mata-o, justificando o fato como necessário, em nome da paz e do bem-estar do universo.

X - "Seqüência".

Uma vaca fugitiva retorna a sua fazenda de origem. Decidido a resgatá-la, um vaqueiro persegue-a com incomum denodo. Ao chegar à fazenda para onde a vaca retornara, o vaqueiro descobre que havia outro motivo para sua determinação: a filha do fazendeiro, com quem o rapaz se casa.

XI - "O espelho".

Um sujeito se coloca diante de um espelho, procurando reeducar seu olhar, apagando as imagens do seu rosto externo. A progressão desses exercícios lhe permite, daí a algum tempo, conhecer sua fisionomia mais pura, a que revela a imagem de sua essência.

XII - "Nada e a nossa condição".

O fazendeiro Tio Man 'Antônio, com a morte da esposa e o casamento das filhas, sente-se envelhecido e solitário. Decide vender o gado, distribuindo o dinheiro entre as filhas e genros.

A seguir, divide sua fazenda em lotes e os distribui entre os empregados, estipulando em testamento uma condição que só deveria ser revelada quando morresse. Quando o fato ocorre, os empregados colocam seu corpo na mesa da sala da casa-grande e incendeiam a casa: a insólita cerimônia de cremação era seu último desejo.

XIII - "O cavalo que bebia cerveja".

Giovânio era um velho italiano de hábitos excêntricos: comia caramujo e dava cerveja para cavalo. Isso o tornara alvo da atenção do delegado e de funcionários do Consulado, que convocam o empregado da chácara de "seo Giovânio", Reivalino, para um interrogatório.

Notando que o empregado ficava cada vez mais ressabiado e curioso, o italiano resolve então abrir a sua casa para Reivalino e para o delegado: dentro havia um cavalo branco empalhado.

Passado um tempo, outra surpresa: Giovânio leva Reivalino até a sala, onde o corpo de seu irmão Josepe, desfigurado pela guerra, jazia no chão. Reivalino é incumbido de enterrá-lo, conforme a tradição cristã. Com isso, afeiçoa-se cada vez mais ao patrão, a ponto de ser nomeado seu herdeiro quando o italiano morre.

XIV - "Um moço muito branco".

Os habitantes de Serro Frio, numa noite de novembro de 1872, têm a impressão de que um disco voador atravessou o espaço, depois de um terremoto. Após esses eventos, aparece na fazenda de Hilário Cordeiro um moço muito branco, portando roupas maltrapilhas.

Com seu ar angelical, impõe-se como um ser superior, capaz de prodígios: os negócios de Hilário Cordeiro, o fazendeiro que o acolheu, têm uma guinada espantosamente positiva. Depois de fatos igualmente miraculosos, o moço desaparece do memo modo que chegara.

XV - "Luas-de-mel".

Joaquim Norberto e Sa- Maria Andreza recebem em sua fazenda um casal fugitivo, versão sertaneja de Romeu e Julieta. Certos de que os capangas do pai da moça virão resgatá-la, todos se preparam para um enfrentamento: a casa da fazenda transforma-se num castelo fortificado.

É nesse clima de tensão que se celebra o casamento dos jovens, a que se segue a lua-de-mel, que acontece em dose dupla: dos noivos e do velho casal de anfitriões, cujo amor fora reavivado com o fato. Na manhã seguinte, a expectativa se esvazia com a chegada do irmão da donzela, que propõe solução satisfatória para o caso.
(Fonte: mundodovestibular.com.br / https://bit.ly/2ZjBZsW

Abaixo você encontra trechos de resenhas sobre a obra. Caso queira ler a resenha na íntegra, clique o link em destaque.

(...) Em Primeiras Estórias, parecem existir "leis" desconhecidas que regem as vidas das personagens, pressupõe-se um "mundo paralelo", metafísico, que influencia a conduta humana. O contato com essas "forças invisíveis" depende de uma sensibilidade aguçada. Por isso muitas das personagens dos contos de Guimarães Rosa são estranhas. "Loucos" (como Darandina ou Tarantão), crianças extremamente sensíveis (como o Menino, de "As Margens da Alegria", ou Brejeirinha, de "A Partida do Audaz Navegante"), apaixonados (como Sionésio, de "Substância"), todos representam seres especiais, que parecem viver em outra dimensão, demonstrando uma sabedoria inata, intuitiva. São, enfim, seres iluminados. 
Essa iluminação relaciona-se à teoria platônica da reminiscência. A alma, sendo imortal, teria vivido em contato com o Mundo Ideal, o plano da Perfeição. Ao encarnar, a alma guardaria lembranças difusas, inconscientes, desse mundo "bom, belo e verdadeiro", para o qual deseja profundamente retornar. Algumas experiências no plano terreno teriam o poder de despertar na alma o gosto da Perfeição, possibilitando uma "redescoberta" de uma alegria até então adormecida....
Esses momentos de epifania, reveladores de uma Verdade oculta, transformam a vida das personagens. Nesse sentido, o encontro com o belo, o desejo de livrar-se do peso da matéria, o sentimento amoroso são situações de aprendizado: libertam a alma das impurezas da vida e levam o ser humano a uma condição "superior", mesmo que não tenha plena consciência disso. Como se diz em "Nenhum, Nenhuma", "a gente cresce sempre, sem saber para onde". (...)
(Fonte: vestibular UOL - https://bit.ly/2ZmE9Io)

(...) Porém o autor não se prendeu a um estilo único, nem a um gênero. Temos histórias com doses de comédia, outras mais sérias, algumas psicológicas, autobiográficas e até mesmo certos contos fantásticos. Ao experimentar esse novo estilo de prosa, Guimarães Rosa também experimentou diversos gêneros literários, formas variadas de falar sobre o cotidiano da vida no sertão. (...)
(Fonte: anatomiadapalvra.com / https://bit.ly/3djA0wT

(...) Afinal, ler Guimarães é ler o interior do Brasil -- e que pode ser que nem exista mais. É sentar numa mesinha de madeira, no fim da tarde, e comer um café coado observando a natureza, a vizinhança, a vida. Ler suas histórias é entender as várias facetas do Brasil profundo e entender quem somos nós, brasileiros. Ainda mais neste potente livro Primeiras Estórias. (...)
(Fonte: esquinadacultura.com.br / https://bit.ly/2Zjdhc2)

VÍDEO-RESENHAS SOBRE "PRIMEIRAS ESTÓRIAS"
                (Fonte: canal Textando Português - YouTube / https://bit.ly/37kuaY9)
(Fonte: canal Aventuras na Leitura - YouTube / Kelly Cominoti / https://bit.ly/3dkZ6vw)

UM POUCO SOBRE GUIMARÃES ROSA

João Guimarães Rosa foi um escritor brasileiro. O romance "Grande Sertão: Veredas" é sua obra prima. Fez parte do terceiro tempo do Modernismo, caracterizado pelo rompimento com as técnicas tradicionais do romance.

Guimarães Rosa nasceu dia 27 de junho de 1908, em Cordisburgo, interior de Minas Gerais. Era filho de comerciante da região e realizou seus estudos primários na própria cidade. Em 1918 mudou-se para a casa de seus avós em Belo Horizonte para continuar os estudos. Assim formou-se médico na Universidade de Minas Gerais, em 1930.

São dessa época os seus primeiros contos, que foram publicados na revista “O Cruzeiro”. Depois de formado, mudou-se para Itaguara, município de Itaúna, onde permaneceu por dois anos.

Em 1932 voltou para Belo Horizonte para servir como médico voluntário da Força Pública, durante a Revolução Constitucionalista.

Em 1934, Guimarães Rosa vai para o Rio de Janeiro e presta concurso para o Itamarati. Culto, sabia falar mais de nove idiomas e conseguiu aprovação em segundo lugar.

Em 1936 participou de um concurso ao Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras, com a coletânea de contos "Magma". Conquistou o primeiro lugar, mas não publicou a obra. Em 1937 iniciou a produção de "Sagarana", volume de contos que retrata a vida das fazendas mineiras.

Entre os anos de 1938 e 1944, foi nomeado cônsul-adjunto na cidade de Hamburgo, Alemanha. Nesse período, especificamente no ano de 1942, Guimarães foi preso quando o Brasil rompeu a aliança com a Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial.

No ano seguinte foi para Bogotá, como Secretário da Embaixada Brasileira.


Em 1946, publica "Sagarana" que se transforma em sucesso de crítica e público. As duas edições esgotam-se no mesmo ano e a obra é vencedora do Prêmio da Sociedade Felipe d'Oliveira.

De 1946 a 1951, Guimarães Rosa reside em Paris. Em 1952, realiza excursão ao Estado de Mato Grosso e escreve uma reportagem poética, "Com o Vaqueiro Mariano", que foi publicada no Correio da Manhã.

Após dez anos de sua estreia literária, o escritor publica “Corpo de Baile” e "Grandes Sertões: Veredas" em 1956.

Em 1958 Guimarães é promovido a embaixador, mas opta por não sair do Brasil e permanece no Rio de Janeiro.

Em 1963 é eleito para a Academia Brasileira de Letras, sendo empossado somente em 1967. Três dias depois do ato, Guimarães Rosa tem um infarto e falece no Rio de Janeiro, dia 19 de novembro de 1967.

Com uma trajetória de vida dedicada à medicina, diplomacia e literatura, Guimarães Rosa renovou o romance brasileiro e conquistou leitores em diversos países.

(Fonte: infoescola.com.br / https://bit.ly/3pmvjox)

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