sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Trilha Antirracista: #PAREM DE NOS MATAR!, de Cidinha da Silva

A questão-motriz deste ensaio é: por que as mortes de pessoas negras e violências raciais contra elas não provocam uma crise ética? O contexto sócio-histórico da pergunta poderia ser o Brasil, a ¹Diáspora Africana, a África ou mesmo o mundo e a resposta não sofreria variações significativas.

A parte mais óbvia do problema é que em decorrência de questões históricas ligadas à exploração de seres humanos por outros, o corpo negro foi constituído como um corpo de menos valor, de fácil reposição, tranquilamente substituível. Um corpo também, mutilado de maneira impune para atender a adestramentos sociais necessários à manutenção do poder explorador. Um corpo ignorado, quando conveniente, para reforçar sua menos-valia por meio da negação da condição de corpo-humano.

Cada um dos três argumentos acima pode ser exemplificado. Vamos então fortalecê-los e torná-los mais nítidos. Ainda no período escravocrata os corpos negros eram punidos, vilipendiados, torturados e mutilados, porque podiam ser substituídos com facilidade. As surras naquele período eram constantes para adestrar os corpos negros, assim como as ameaças policiais de hoje, aos primeiros suspeitos em qualquer situação.

Quanto ao corpo negro ignorado, é fácil percebê-lo na fila de acesso aos locais de arte e cultura, nos quais a maioria dos frequentadores é branca e estes sequer pedem licença a uma pessoa negra para passar à sua frente. Também são desconsiderados os corpos negros de pessoas em situação de rua, mortas pelo frio de São Paulo e tratadas como parte da paisagem urbana, como aquelas que morrem pelo frio mesmo (como se fosse aceitável alguém morrer de frio), “sem sinais de violência no corpo”.

O livro #Parem de nos matar! (Ijumaa, 2016), de minha autoria, documenta em forma de crônicas e textos opinativos, aquilo que não pode ser esquecido e que pretende robustecer uma ética do cuidado das pessoas negras consigo mesmas (por meio do registro crítico de sua memória). Esta é a contribuição da obra em suas 240 páginas e 72 crônicas, para alterar esse estado de coisas.

Trata-se de um livro vivo, em movimento, que frequentemente depara-se com parentes e amigos de pessoas negras assassinadas e/ou desaparecidas e, não raro, esses encontros causam constrangimento e impotência à autora, como aconteceu num curso no SESC Ribeirão Preto (SP). Lá esteve presente a irmã de Luana Barbosa, jovem lésbica negra, morta em decorrência de espancamento perpetrado pela polícia, porque resistiu para não ser revistada por homens. Ou o encontro com Ruth Fiúza, mãe de Davi Fiúza (desaparecido pela PM baiana em 2015 numa periferia de Salvador), em mesa promovida pelas Mães de Maio (SP) na reitoria da Universidade Federal da Bahia (maio, 2017).

A pergunta que arrebenta os miolos é: o que fazer diante das pessoas que sobreviveram a mortes e desaparecimentos tão aviltantes? E a resposta possível até o momento tem sido: prosseguir, via literatura, no exercício de agenciamento de uma produção de sentidos sobre nós mesmos.

Uma agência que não nos deixe esquecer quem somos, de onde viemos e para onde vamos como membros de uma mesma comunidade de destino. Desse modo, Cláudia da Silva Ferreira, arrastada num porta-malas de viatura policial em Madureira (RJ), não é única, não é um caso isolado, somos todas Cláudias. Tanto porque, como mulheres negras, estamos expostas ao mesmo destrato dado a ela, quanto porque todas nós fomos efetivamente arrastadas durante o martírio de Cláudia da Silva Ferreira.

O já mencionado livro, #Parem de nos matar! exigiu abertura de janelas para nuançar sua dureza e para que o leitor pudesse respirar. Fiz isso ao alternar conjuntos de textos que escrutinam situações de violência e extermínio e outros que demarcam de alguma forma a resistência das pessoas-alvo do racismo. [...]

 1diáspora: dispersão de um povo em consequência de preconceito ou perseguição política, religiosa ou étnica

(Fonte: SILVA, Cidinha. #PAREM DE NOS MATAR! MEMÓRIA DA LUTA DE PESSOAS NEGRAS COMUNS PARA SE MANTEREM VIVAS. Disponível em: omnelick2ato.com / https://bit.ly/3CdV7tV)

Resenhas da obra: 

CARNEIRO, Sueli. Temas caros aos direitos humanos na crônica de Cidinha da Silva. Disponível em: literafro – letras.ufmg..br / https://bit.ly/3k15KKk

MOREIRA, Núbia Regina. NÃO NOS CALAREMOS. NÃO MESMO! Disponível em: UFBA - redalyc.org / https://bit.ly/3E3N4kU

Livro ‘#Parem de nos matar!’ evidencia genocídio da população negra. Disponível em:  geledes.org.br / https://bit.ly/3npUiK7

Vídeo-resenhas da obra: 

Lançamento do livro de Cidinha Silva
(Fonte: canal Jornalistas Livres - YouTube / https://bit.ly/3ttNn3H)

Cidinha da Silva – Encontros de Interrogação (2017) 
A escritora Cidinha da Silva fala sobre o período em que trabalhou na organização Geledés Instituto da Mulher Negra e comenta aspectos de sua obra, que ela diz ser uma tentativa de fazer política pela arte. Com a publicação de seu terceiro livro, Cidinha afirma que passou a exigir mais de sua literatura e a desejar outro tipo de texto. Ao fim da entrevista, lê a crônica Quando a Palavra Seca, do livro #Parem de Nos Matar!.
(Fonte: canal Itaú Cultural - YouTube / https://bit.ly/38UeX0q)

#Parem de nos matar! - Cidinha Silva
(Fonte: canal Letras Pretas - YouTube / https://bit.ly/3hohbd0)

QUEM É CIDINHA SILVA?
CIDINHA DA SILVA é escritora e editora. Graduada em História pela UFMG e doutoranda no DMMDC - Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento da Universidade Federal da Bahia. Organizadora de Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil (obra de referência; Fundação Cultural Palmares, 2014, esgotado) e Ações afirmativas em educação: experiências brasileiras (Summus, 2003, 3a edição) . Tem dezessete livros de literatura publicados, entre eles Um Exu em Nova York, que recebeu o Prêmio Clarice Lispector (categoria contos) da Fundação Biblioteca Nacional em 2019, e #Parem de nos matar! (Kuanza Produções/Pólen Livros, 2019, 2a edição). ?Explosão Feminista?, do qual é co-autora, foi finalista do Prêmio Jabuti (2019), e recebeu o Prêmio Rio Literatura 4ª edição (categoria ensaio). É coautora de cinco livros, entre eles, Colonos e Quilombolas (Edição das autoras, Porto Alegre, 2010). Participa da coletânea Questão de pele, composta por contistas brasileiros que tematizaram o preconceito racial. (Org. Luiz Ruffato, Língua Geral, 2009) com o texto Dublê de Ogum. Tem textos traduzidos em pulicados em alemão, catalão, espanhol, francês, italiano e inglês. É uma das 100 autoras e autores negros, cuja obra foi analisada na coletânea Literatura e Afrodescendência: antologia crítica (Org. Eduardo Assis, Editora UFMG, 2011). Sua fortuna dramatúrgica abarca os textos Sangoma, Engravidei, pari cavalos e aprendi a voar sem asas e Os coloridos. Contabiliza mais de 50 artigos e ensaios envolvendo os temas relações raciais, gênero, juventude e educação, publicados prioritariamente no Brasil, no período de 1992 a 2006, mas também na Itália, Reino Unido, Costa Rica, Uruguai e Estados unidos. Possui centenas de crônicas e artigos de opinião publicados na WEB, em portais, blogues profissionais diversos e principalmente no blogue pessoal
http://cidinhadasilva.blogspot.com.br/ e na Fanpagehttps://www.facebook.com/cidinhadasilvaescritora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários publicados neste blog são MODERADOS. Portanto, só serão publicados os comentários que estiverem de acordo com nossos termos. Por favor, antes de publicar, leia nossos TERMOS DE USO, abaixo listados.
1. Publique somente comentários relacionados ao conteúdo do artigo.
2. Comentários anônimos não serão publicados bem como aqueles que apresentem palavras e/ou expressões de baixo-calão, ofensas ou qualquer outro tipo de falta de decoro.
3. Os comentários postados não refletem a opinião do autor deste blog.

ANO 2024 - Bem-vindos!

CARDÁPIO DO MÊS - Abril 2024

O projeto CARDÁPIO DO MÊS tem por objetivo chamar a atenção dos usuários da Sala de Leitura para determinadas obras que a cada mês são sel...