“Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: Vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas ajuizadas.
É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade.” Nise da Silveira
Conforme levantamento realizado pela OMS no ano passado, o Brasil ocupou em 2020 o 1º lugar no ranking de países com a população mais ansiosa do mundo, e no que diz respeito ao planeta como um todo, a OMS contabilizou quase 20 milhões de pessoas com algum tipo de transtorno emocional. E o que isso tem a ver com Nise da Silveira? Tudo, porque até os dias de hoje suas ações e estudos são motivo de inspiração de políticas públicas para o tratamento de transtornos mentais. Nise da Silveira, alagoana, formada em medicina psiquiátrica na década de 1930, se transformou ao longo do tempo em uma mulher plena em todos os sentidos, não ficando restrita aos estudos e e aos profissionais de sua área de formação. Uma de suas primeiras e grandes lutas foi a de se posicionar contra a internação de pacientes psiquiátricos em manicômios e contra os métodos agressivos a que eram submetidos, tais como eletrochoque, camisa de força e confinamento, entre outros. Numa época em que o emprego de ocupações terapêuticas como tratamento era desdenhado pela medicina praticada nas instituições psiquiátricas do país, Nise foi pioneira no emprego da terapia ocupacional, de atividades artísticas e no contato com animais de estimação como formas de tratamentos mais humanizados de pacientes com transtornos mentais. Existem vídeo-documentários e livros sobre essas práticas e as produções artísticas dos pacientes, bem como a melhora de sua saúde mental.
Nise desenvolveu sua carreira como médica psiquiátrica depois que veio do nordeste para o Rio de Janeiro. Ali, casou-se com um conterrâneo que era médico sanitarista, Mario Magalhães e formaram um casal engajado nos círculos artísticos, literários e marxistas. Em 1933, após ter estagiado em uma clínica neurológica de renome, entrou para o serviço público, trabalhando no Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental. No regime do Estado Novo, de Getúlio Vargas, entre os anos de 1936 e 1937, após ser denunciada por uma enfermeira à polícia política de Filinto Müller, Nise ficou 15 meses presa por conta de seu envolvimento com o comunismo. Na prisão, conheceu pessoalmente outro conterrâneo famoso, também comunista, o escritor Graciliano Ramos, que relata esse encontro em seu livro “Memórias do Cárcere”.
Em 1944, ao ser reintegrada ao serviço público, foi lotada no Hospital Pedro II (antigo Centro Psiquiátrico Nacional) e como era contra os métodos de tratamento agressivos e até mesmo brutais utilizados na época com os pacientes, em colaboração com o psiquiatra Fábio Sodré, introduziu a TO (terapia ocupacional) naquela instituição. A partir daí suas ideias ganharam adeptos e ela criou neste hospital a Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (STOR) do Centro Psiquiátrico Pedro II. Em 1954 essa seção foi regulamentada e somente em 1961 (quinze anos mais tarde!) a STOR foi oficializada através de decreto presidencial e Nise a dirigiu desde sua criação, em 1946, até sua aposentadoria compulsória, em 1974. Dentre as várias práticas terapêuticas desenvolvidas na STOR, a criação de um ateliê de pintura tornou a seção de práticas terapêuticas famosa pois Almir Mavignier, ex-funcionário do hospital e estagiário de Nise, acabou por se tornar um dos primeiros pintores abstratos do Brasil e professor da Escola Superior de Belas Artes Plásticas de Hamburgo, na Alemanha. Almir organizou a “Exposição de Arte Psicopatológica” no I Congresso Internacional de Psiquiatria, em Paris, em 1950, e depois, em 1957 a mostra “A Esquizofrenia em Imagens”, durante o II congresso Internacional de Psiquiatria, em Zurique, na Suiça, evento no qual Nise teve a oportunidade de conhecer pessoalmente o psicoterapeuta e teórico da teoria dos arquétipos que tanto admirava, Carl Jung (foto acima). Nise, através de seus estudos e convivência com os pacientes, foi quebrando vários paradigmas atribuídos aos pacientes de transtornos mentais e estabeleceu formas de comunicação e expressão não-verbais com os mesmos através das artes, da terapia ocupacional, do contato com animais de estimação, provando que muitas vezes há um mundo afetivo guardado dentro do paciente e que só pode ser expresso assim, sem palavras.
Leia abaixo trechos de biografias de Nise da Silveira (para ler na íntegra clique no link em destaque)
[...] Em 1954 travou contato com Jung através
de cartas, onde discutia as mandalas de seus psicóticos. Desde então, Jung
impressionou-se com o material do Museu de Imagens do Inconsciente e aconselhou
Nise a estudar mitologia e religiões comparadas para encontrar a
fonte ou arquétipos de tudo aquilo,
que ele afirmava, como ela já percebera lendo suas obras, ser a manifestação do inconsciente coletivo.
Jung lhe enfatizara que o inconsciente
coletivo fala a linguagem dos mitos, que os mitos resumem toda experiência ancestral da humanidade
simbolizada em figuras que ele denominou "arquétipos", e que o inconsciente coletivo era o depositário
desta experiência e, portanto, das representações arquetípicas.[...]
(Fonte: CÂMARA, Fernando
Portela. História da Psiquiatria – Vida e
Obra de Nise da Silveira. Psychiatry on line Brasil, setembro de 2002 –
vol. 7 – nº 9. Disponível em: https://bit.ly/3vfHDuI)
[...] Desde
cedo teve contato com a obra de Spinoza, tendo, inclusive, publicado um livro
intitulado "Cartas a Spinoza", que evidencia seu profundo
conhecimento sobre o "teórico da loucura". [...]
[...] LG-Jung, para Você foi uma pista
ou um mestre?
NS - As duas coisas. Une mestre e pista.
LG- No entanto Você não é apegada
exclusivamente a ele...
NS - Ah! Claro. Eu tenho um encanto por
Laing. Porque o que caracteriza meu trabalho em psiquiatria, meu entusiasmo
pela psiquiatria, meu apego ao que se chama de psiquiatria, é a pesquisa do mundo interno do processo psicótico. Do
que se passa no mundo interno do psicótico, sem desprezar naturalmente o mundo
externo, porque nós vivemos
simultaneamente em dois mundos, o mundo externo e o mundo interno. Mas o
que acontece é que a maioria dos psiquiatras, mesmo atualmente, só valorizam o
mundo externo. O movimento Baságlia, que eu aprecio, e estou de acordo de que
estes velhos manicômios que se parecem prisões sejam implodidos, é um movimento
que ao meu ver não se ocupa do mundo interno do paciente. [...]
(Fonte: SANTOS, Luiz G. P. Nise da Silveira. Scielo. Disponível
em: https://bit.ly/3t9tiOA)
[...] De uma inteligência rara e inquietação
gigantesca, Nise também inspirou quem conviveu com ela, como é o caso de
Gonzaga Leal, artista e terapeuta ocupacional. Ele foi amigo pessoal da
alagoana e afirma que "estar junto dela era objeto de amor". "A
Nise, para mim, é uma grande inspiração. Ela era uma mulher de uma cultura
muito superior e de uma curiosidade absurda; uma mulher que, como ela dizia,
era um Lampião, no melhor sentido da coragem, de ser destemida e, além de tudo,
uma nordestina; uma mulher que andava de braços colados com o seu desejo."
[...]
(Fonte: DULCE, Emilly. Nise da Silveira: a mulher que revolucionou o tratamento mental por
meio da arte. Brasil de Fato, 15/02/2018. Disponível em: https://bit.ly/3tdo4l7)
FRASES DE NISE DA SILVEIRA
“Para navegar contra a corrente são necessárias condições raras: espírito de aventura, coragem, perseverança e paixão.”
“Não sou muito do passado. Sou do futuro. Quem olha demais para trás, fica.”
“A palavra que mais gosto é liberdade. Gosto do som desta palavra.”
“O que melhora o atendimento é o contato afetivo de uma pessoa com outra. O que cura é a alegria, o que cura é a falta de preconceito.”
"É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade."
“As coisas não são ultrapassadas tão facilmente, são transformadas.”
“A criatividade é o catalisador por excelência das aproximações de opostos. Por seu intermédio, sensações, emoções, pensamentos, são levados a reconhecerem-se entre si, a associarem-se, e mesmo tumultos internos adquirem forma.” (no livro "Imagens do inconsciente". Rio de Janeiro: Alhambra, 1981, p.11.)
MAIS SOBRE NISE DA SILVEIRA
"Nise da Silveira Posfácio: Imagens do Inconsciente" - Documentário de Leon Hirszman, produzido entre 1986 e 2014. Entrevista feita em 15 e 19 de abril de 1986.
Imagens do Inconsciente - parte 2/2, de Leon Hirszman, produzido entre 1983 e 1985, surgiu de um grande trabalho de cooperação entre Leon Hirszman e a psicanalista junguiana Nise da Silveira.
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