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quarta-feira, 18 de agosto de 2021
Trilha Antirracista / Literatura: OLHOS D'ÁGUA, de Conceição Evaristo
Olhos D’Água, de Conceição Evaristo | Resenha
Qual
a porcentagem de livros escritos por mulheres na lista de suas últimas
leituras? Qual foi a última obra nacional que você leu? E a última escrita por
alguma autora ou autor negro? Hoje eu presto muita atenção na hora de escolher
minhas leituras. Tento fazer minha parte para garantir uma diversidade e
representatividade dos autores e das temáticas lidas. Comece a prestar atenção
nisso também!
De
origem periférica e pobre, Conceição Evaristo é mestre e doutora em Literatura
e, na minha opinião (e de muita gente), é um dos principais nomes da literatura
contemporânea nacional. Mas, acima de tudo, Conceição Evaristo é um símbolo de
representatividade na literatura. É porta-voz de questões sociais que, apesar
de serem muito presentes no dia a dia das classes menos privilegiadas, são
pouco faladas e, menos ainda, compreendidas. Quando me perguntam qual o
principal benefício da leitura, eu não tenho dúvidas na hora de responder: com
os livros eu consigo me colocar no lugar do outro; enxergar problemas e situações
a partir da perspectiva de alguém que vive em circunstâncias completamente
diferentes das minhas. Aprendo a respeitar o diferente, ser mais empático e ter
mais compaixão.
A
leitura de “Olhos d’água” confirmou mais uma vez essa minha opinião. Essa
coletânea de contos me despertou reflexões sobre a condição do ser humano,
sobre as tristezas diárias que passam despercebidas ao nosso redor. Conceição
Evaristo consegue transmitir ao leitor de forma sensível e perfurante a
realidade do ser humano silenciado. “Estão presentes mães, muitas mães. E,
também, filhas, avós, amantes, homens e mulheres” em sua condição mais
vulnerável.
Com
contos curtos, a autora também revela um domínio incrível sobre as emoções e as
dificuldades presentes na miséria e marginalização. A escrita também se destaca
pela sua oralidade e crueza, servindo como uma ferramenta mais eficaz para
atingir a nós leitores. Uma leitura que não apenas recomendo, mas que entendo
ser necessária!
Maria da Conceição Evaristo de
Brito nasceu em 29 de novembro de 1946, em Belo Horizonte (MG). Foi a segunda
de nove irmãos. Teve a infância e a adolescência marcadas pela miséria, na
extinta favela do Pindura Saia, na região centro-sul da capital mineira.
Trabalhou como babá e faxineira enquanto cursava os estudos secundários,
aspirando à carreira de professora, mas quando concluiu o curso normal, não
conseguiu emprego em Belo Horizonte.
Não havia, na época, concursos
para professores em Minas Gerais: aulas, só para quem fosse indicado. Assim,
Conceição mudou-se, em 1973, para o Rio de Janeiro, onde se graduou em Letras
pela UFRJ e seguiu carreira no magistério, lecionando na rede pública
fluminense até aposentar-se no ano de 2006.
Sua estreia na literatura
aconteceu no ano de 1990, quando seis de seus poemas foram incluídos no volume
13 da coletânea Cadernos Negros, publicação literária periódica que teve início
em 1978, com o intuito de veicular a cultura e a produção escrita
afro-brasileira, seja na forma da prosa, seja na forma da poesia.
Conciliando os trabalhos na
docência, na literatura e na produção de estudos teóricos, Conceição Evaristo
titulou-se como mestra em Literatura Brasileira pela PUC-Rio, em 1996, com a
dissertação Literatura Negra: Uma Poética de Nossa Afrobrasilidade e depois
como doutora em Literatura Comparada na UFF, defendendo, em 2011, a tese Poemas
malungos, cânticos irmãos, em que analisou a poesia dos afro-brasileiros Nei
Lopes e Edimilson de Almeida Pereira e a do angolano Agostinho Neto.
Autora de contos, poemas e
romances, parte deles traduzida para o inglês e o francês, além de vasta obra
teórica, Conceição Evaristo foi finalista do prêmio Jabuti em 2015 e
contemplada, em 2018, com o Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais
pelo conjunto de sua obra, sendo reconhecida como uma das mais importantes
escritoras brasileiras da contemporaneidade.
“Antes de lerem nossos textos
já fazem um pré-julgamento, ou dizem que a autoria negra é uma autoria de
militância. Mas é preciso conhecer os textos. Peço muito para as pessoas que
não leiam apenas minha biografia, porque ela é importante sim, porque ela
contamina meu texto, mas por favor leiam meu texto” [...]
Escrevivências
O minucioso trabalho literário
de Conceição Evaristo é marcado pelo uso da
metalinguagem e da junção de vocábulos que geram novas palavras e novos
significados. Sua invenção com a palavra volta-se sempre para a ancestralidade,
raiz que recupera o passado e o entrelaça com a projeção ao futuro, fazendo
brotar novos significados – lexicais e para além do texto.
Os temas ficcionais e poéticos
da autora são diversos, mas a poética de Evaristo é conduzida principalmente
pelo eu-lírico e personagens de mulheres negras. A autora cunhou o termo
“escrevivências” para nomear seu procedimento narrativo: misturando invenção e
fato. “Escreviver” é contar, a partir de uma realidade particular, uma história
que aponta para uma coletividade. Segundo ela, “o sujeito da
literatura negra tem a sua existência marcada por sua relação e por sua
cumplicidade com outros sujeitos. Temos um sujeito que, ao falar de si, fala
dos outros e, ao falar dos outros, fala de si”.
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