sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Trilha Antirracista / Sociologia, História: MULHERES, RAÇA E CLASSE, de Angela Davies

Quando se pensa na luta contra o racismo nos EUA, geralmente o que nos vem à mente são as histórias de mártires como Martin Luther King e Malcolm X que souberam, cada à sua maneira, fazer história na luta contra a segregação. Mas um detalhe que geralmente passa desapercebido nas aulas de História de modo geral é a omissão das mulheres neste contexto. É sabido que muitas, na mesma época, travavam batalhas tão heroicas quanto, mas não receberam a devida visibilidade. E para fazer justiça a elas, Angela Davis lançou em 1981 Mulheres, Raça e Classe, obra lançada pela editora Boitempo aqui no Brasil em 2016.

Angela Davis é ativista política, escritora e professora universitária. Com carreira iniciada no final dos anos 60, Davis fez parte dos Panteras Negras, do movimento de contracultura e dos direitos civis. Tamanha militância acabou por colocá-la como “inimiga pública número 1” dos EUA, acabou por resultar numa errônea prisão na época. Ela só foi solta meses depois devido a grande pressão popular. Para quem não conhece sua história é recomendado o documentário Free Angela Davis and All Political Prisioners.

No livro, Davis retoma a história dos EUA na época da escravidão, para trazer à tona a história de dezenas de mulheres que desde lá já enfrentavam as agruras ligadas ao racismo, ao sexismo e a luta de classes. E é aqui que reside o grande trunfo deste tratado acadêmico criado pela autora já que ela perpetua um olhar aguçado, multilateral, que ajuda a compreender as agruras daqueles tempos em que o Norte (liberal) e Sul (escravocrata) do país travavam batalhas ideológicas homéricas quando o assunto era o negro e a sua condição de vida.

Como marxista que é, Davis critica o capitalismo em defesa da classe trabalhadora que tanto foi (e ainda é) explorada nos primórdios da era industrial pós-escravidão com cargas horárias elevadas e baixos salários.

Por mais que hoje o feminismo esteja em voga (com algumas batalhas vencidas e outras tantas ainda pela frente), no século XIX o cenário era caótico, pois além da escravidão sulista, ao negro eram oferecidas as piores condições possíveis de sobrevivência ligadas à empregabilidade e a má remuneração (principalmente das mulheres), a segregação escolar e do direito ao voto, a cultura do estupro da mulher negra, o absurdo controle de natalidade imposto. Cansados desta sub-humana condição de vida, a partir dali se iniciou um longo embate visando a igualdade.

Outro ponto interessante é o fato de que grande parte das causas enfrentadas por mais que tivessem um viés feminista por grande parte da sociedade, as mesmas, de fato, diziam a respeito do modus operandi de um mundo mais justo e igualitário. E, aos poucos, os brancos (as mulheres essencialmente) compreenderam isto, uniram forças e conquistaram muitas das demandas solicitadas.

Utopias à parte, se almejamos uma sociedade mais justa, igualitária, independente do sexo, raça ou classe é preciso readequar o pensamento individual que, geralmente, atende a interesses próprios ou de um grupo e exclui todo o resto. Se você não acredita nisto, a leitura de Mulheres, raça e classe mostra o caminho.

(Fonte: LISBOA, Bruno. Resenha - Mulheres, Raça e Classe. Disponível em: opoderosoresumao.com.br / https://bit.ly/3sR2SCk)

Outras resenhas: 

- CYRINO, Rafaela. [Resenha a:] DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016. Disponível em: outubrorevista.com.br / https://bit.ly/3mE86Ay

- NATANSOHN, Graciela. Resenha: Mulheres, Raça e Classe, de Angela Davis. Disponível em: gigaufba.com.br / https://bit.ly/3sYZLbB

- BRETAS, Alexia. DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016, 244p. Disponíevel em: scielo.br / https://bit.ly/3sRaB3m

Vídeo-resenhas

Mulher, Raça e Classe, com Marielle Franco
(Fonte: canal Mulheres de LUta - YouTube / https://bit.ly/3gzgpcQ)

Marielle Franco e Karina Vieira discutem Angela Davis no Brasil
(Fonte: canal TV Boitempo - YouTube / https://bit.ly/3kxPNKo)

Djamila Ribeiro fala sobre "Mulheres, Raça e Classe", de Angela Davis no Metropolis/TV Cultura
(Fonte: canal TV Boitempo - YouTube / https://bit.ly/3mEht3c)

Resenha #198 Mulheres, raça e classe, de Angela Davis
(Fonte: canal B de Barbárie - YouTube / https://bit.ly/3BjhLk0)

Livro: Mulheres, Raça e Classe
(Fonte: canal Letras Pretas - YouTube / https://bit.ly/3sU16jL)

Livro: Mulheres, Raça e Classe
(Fonte: canal Natasha - Redemunhando - YouTube / https://bit.ly/2XRA5lF)

QUEM É ANGELA DAVIS?
(Foto: commonwikimedia.org)
A militante, ativista e professora Angela Davis é uma mulher negra norte-americana que carrega uma importante trajetória de resistência contra a opressão, sobretudo contra o racismo e o sistema patriarcal.
Participante do coletivo Black Panthers no final da década de 60, Angela é um nome muito importante na luta por igualdade, tornando-se um ícone para o povo negro, principalmente para as mulheres.
Através de sua prática, ela nos mostra como é possível conciliar o pensamento acadêmico com a luta coletiva.

A trajetória de Angela Davis

Os primeiros anos
Angela Yvonne Davis nasceu em Birmingham, no Alabama (EUA) em 26 de janeiro de 1944. Filha de uma família de classe média baixa, tinha mais três irmãs.
A época e local onde ela cresceu contribuíram enormemente para que tenha se tornado uma mulher combativa e referência na luta pela emancipação do povo negro. Isso porque naquele tempo o estado do Alabama tinha a política de segregação racial, que só foi criminalizada vinte anos depois de seu nascimento.
Na cidade de Birmingham esses contrastes e tensões estavam bastante explícitos e no bairro em que Angela residia a violência era intensa, com ataques racistas constantes por membros da Ku Klux Klan. Tanto que houve diversos episódios de explosões de bombas contra a população negra.
Em um desses ataques foram colocados explosivos dentro de uma igreja frequentada pelo povo afro-americano. Nessa ocasião, quatro garotas foram mortas. Essas jovens eram bem próximas de Angela e de sua família.
Todo esse ambiente hostil em sua infância e adolescência fez crescer em Davis o sentimento de revolta e vontade de transformação da sociedade, lhe dando a certeza de que faria o possível para lutar pelo fim da opressão.

(Foto: arte de Lari Arantes sobre foto de arquivo)
Os anos de formação
Curiosa, Angela lia muito e se destacava na escola. Então, ainda jovem, em 1959, recebeu uma bolsa para estudar em Nova York, onde teve aulas com Herbert Marcuse (intelectual de esquerda ligado à Escola de Frankfurt), que lhe sugere estudar na Alemanha.
Assim, no ano seguinte dá continuidade aos estudos em solo alemão e lá tem aulas com outras figuras importantes como Theodor Adorno e Oskar Negt.
Quando retorna ao seu país de origem, ingressa no curso de filosofia na Universidade Brandeis, no estado de Massachusetts e em 1968 conclui mestrado na Universidade da Califórnia, sendo chamada mais tarde para ser professora assistente em aulas na instituição.
É nos anos 60 ainda - e em plena Guerra Fria - que Angela Davis filia-se ao Partido Comunista norte-americano. Por conta disso, ela acaba sendo perseguida e impedida de ministrar aulas na faculdade.

(Foto: arte Bernard Gotfryd)
Angela Davis e os Panteras Negras
Davis aproxima-se ainda mais da luta antirracista e conhece o partido Black Panthers (Panteras Negras, em português) entrando para o coletivo.
Essa era uma organização urbana de cunho socialista e marxista que pregava a auto-defesa do povo negro, o fim da violência policial e racista, realizando, entre outras coisas, ações de patrulhamento em bairros negros para evitar genocídios.
Aos poucos o partido começou a crescer e ramificar-se no país, tornando-se uma "ameaça" para os racistas.
Assim, em uma clara tentativa de desarmar os panteras negras, o governador da época, Ronald Reagan, aprova junto à Assembleia Legislativa da Califórnia uma lei que proibiria o porte de armas nas ruas.

A perseguição e o movimento Free Angela
Durante o julgamento de três jovens negros, acusados do assassinato de um policial, o tribunal foi invadido por ativistas do Panteras Negras. A ação terminou em confronto e morte de cinco pessoas, entre elas o juiz.
Davis não estava presente nesse episódio, mas a arma utilizada estava em seu nome. Assim, ela foi considerada uma personalidade perigosa e entrou para a lista das dez pessoas mais procuradas pelo FBI.
A ativista conseguiu fugir por dois meses, sendo capturada em Nova York em 1971. Seu julgamento demorou 17 meses, período em que Angela permaneceu encarcerada. As acusações eram graves e havia a possibilidade inclusive de pena de morte.
Por conta de sua projeção, relevância e inocência, ela tem o apoio de grande parte da sociedade. É criado um movimento em prol da sua liberdade que recebe o nome de Free Angela.
Em 1972 foram criadas músicas em sua defesa. A banda Rolling Stones lançou a canção Sweet black angel no álbum Exile on Main St. John Lennon e Yoko Ono produziram Angela, que integra o disco Some Time in New York City. Essas foram atitudes importantes vindas do meio cultural que deram visibilidade para o caso.
Então em junho 1972, a ativista e professora foi libertada e inocentada.

(Foto: dw.com)
Angela Davis em 1972
Angela Davis em 1972, pouco depois de ser inocentada, se encontra com Valentina Tereshkova, do comitê soviético de mulheres
A luta de Angela atualmente
A militância de Angela Davis ficou conhecida por envolver a resistência antirracista, o combate ao machismo e a luta contra as injustiças no sistema prisional.
Entretanto, sua postura ativista abarca muitas outras questões, na verdade seu posicionamento é a favor da liberdade de todos os seres. Tanto que, quando esteve encarcerada, tornou-se vegetariana. Hoje, vegana, uma de suas bandeiras é pelos direitos dos animais, pois entende a vida no planeta de forma integral.
Além disso, Davis também fala sobre problemas como a homofobia, transfobia, xenofobia, causas indígenas, aquecimento global e desigualdades causadas pelo capitalismo.
Uma de suas falas que pode representar seu pensamento resumidamente é:
Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se isso, muda-se a base do capitalismo.
Com essa afirmação, Davis nos mostra como é importante mexer nas bases que fundam a sociedade, transformando a realidade com luta constante contra o racismo e o machismo estrutural.
Atualmente, ela é uma reconhecida professora na Universidade da Califórnia, integrando o departamento de estudos feministas e dedicando-se também a pesquisas sobre o sistema carcerário dos EUA.
Angela é uma mulher que fez de sua vida e sua história uma ferramenta de transformação social, tornando-se um exemplo e inspiração para os movimentos sociais e revolucionários em todo o mundo.

Confira abaixo sua fala durante a Marcha das Mulheres, realizada em Whashington,  em 2017.

(Fonte: canal Brasil de Fato - YouTube / https://bit.ly/3zozMNe)

(Foto: cut.org.br)
Angela Davis no Brasil
A professora e ativista continua atuando em várias partes do mundo e em 2019 esteve no Brasil participando de um ciclo de palestras no evento intitulado "Democracia em colapso?", organizado pela editora Boitempo e pelo Sesc São Paulo.
Angela veio ao país também para lançar seu livro Uma autobiografia.
Mesmo tendo visitado o Brasil anteriormente, na maioria das vezes foi à Bahia, essa foi a primeira vez que ela esteve em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Livros importantes de Angela Davis
São quatro as obras literárias de Angela Davis que chegaram ao Brasil. A editora responsável pelos lançamentos é a Boitempo.

"Mulheres, raça e classe"
Publicado no Brasil em 2016, Mulheres, raça e classe é um livro que traça um panorama sobre situação das mulheres na história e as relações com a questão racial e de classe social.
Na obra, a autora defende a importância de se pensar esses problemas de forma interseccional, ou seja, analisando de que maneira as opressões se combinam e se sobrepõem.

"Mulheres, cultura e política"
Essa é uma obra que reúne diversos artigos, nos quais a professora apresenta um levantamento com dados históricos e estatísticos sobre a situação das mulheres nos EUA durante as últimas décadas.
No livro, Angela também discorre sobre as relações políticas e econômicas norte-americanas em países da América Central, África e Oriente Médio e seus impactos nos movimentos sociais, enfraquecendo grupos oprimidos.

"Uma autobiografia"
Uma autobiografia é o relato de Angela Davis sobre sua vida e a situação norte-americana nos anos 60 e 70.
Publicado pela primeira vez em 1974, quando a ativista tinha apenas 28 anos e havia acabado de deixar a prisão, a obra conta sua trajetória pessoal ao mesmo tempo que apresenta o contexto racista e violento que sufocava a população negra dos EUA.

"A liberdade é uma luta constante"
Esse é um livro que traz uma compilação de artigos recentes da professora e ativista. São textos escritos entre 2013 e 2015 que carregam importantes reflexões sobre a liberdade.
A autora nos mostra como o movimento negro e feminista norte-americano se relaciona historicamente com outras lutas por emancipação humana, como o fim de um sistema prisional injusto e a luta palestina.

(Fonte: AIDAR, Laura. Angela Davies: biografia e principais livros. Disponível em: culturagenial.com / https://bit.ly/3yrki9Q)

Outras Biografias da Escritora e Ativista
- PAIVA, Vitor. A vida e a luta de Angela Davis, desde os anos 1960 até o discurso na Marcha das Mulheres nos EUA. Disponível em: hypeness.com.br / https://bit.ly/38gdKQD)
- ALEIXO, Isabela. O que a autobiografia de Angela Davis nos ensina sobre racismo epistêmico no Brasil. Disponível em: portalgeledes.org / https://bit.ly/3kB2Cnw)

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