terça-feira, 31 de agosto de 2021

Trilha Antirracista / Sociologia: MEMÓRIAS DA PLANTAÇÃO, de Grada Kilomba

A escritora e psicóloga portuguesa Grada Kilomba – com origens em Angola e São Tomé e Príncipe – é militante do feminismo negro e autora de Memórias da Plantação: Episódios do Racismo Cotidiano, livro publicado originalmente em inglês em 2008, que avalia o racismo e seus impactos sobre raça, gênero e classe. "Descolonizar o conhecimento" é a ideia que move esta obra, sabendo que, ainda hoje, todos os "conceitos de conhecimento, erudição e ciência estão intrinsicamente ligados ao poder e à autoridade racial", relegando o pensamento negro a discursos marginais, fora do contexto acadêmico.

Grada Kilomba aborda questões importantes sobre as formas contemporâneas do racismo que adaptou as antigas concepções do colonialismo, apelativas de uma falsa "superioridade biológica", para as novas abordagens que, em vez disso, falam de "diferença cultural" ou de "religiões" e suas incompatibilidades com as culturas nacionais, principalmente nos países europeus. Portanto, ocorre uma mudança no conceito de "biologia" para "cultura" e, apesar da ideia de superioridade não estar implícita, é disso que se trata novamente. As diferenças sendo interpretadas como "inferioridade" e gerando o preconceito, apoiado pelo poder.

"Há uma máscara da qual eu ouvi falar muitas vezes durante minha infância. A máscara que 'Anastácia' era obrigada a usar. Os vários relatos e descrições minuciosas pareciam me advertir que aqueles não eram meramente fatos do passado, mas memórias vivas enterradas em nossa psique, prontas para serem contadas. Hoje quero recontá-las. Quero falar sobre a máscara do silenciamento. Tal máscara foi uma peça muito concreta, um instrumento real que se tornou parte do projeto colonial europeu por mais de trezentos anos. Ela era composta por um pedaço de metal colocado no interior da boca do 'sujeito negro', instalado entre a língua e o maxilar e fixado por detrás da cabeça por duas cordas, uma em torno do queixo e a outra em torno do nariz e da testa. Oficialmente, a máscara era usada pelos senhores 'brancos' para evitar que africanas/os escravizadas/os comessem cana-de açúcar ou cacau enquanto trabalhavam nas plantações, mas sua principal função era implementar um senso de mudez e de medo, visto que a boca era um lugar de silenciamento e de tortura. Neste sentido, a máscara representa o colonialismo como um todo. Ela simboliza políticas sádicas de conquista e dominação e seus regimes brutais de silenciamento das/os chamadas/os 'Outras/os': Quem pode falar? O que acontece quando falamos? E sobre o que podemos falar?" (p.33)

Na linha de outros grandes pensadores da descolonização e sistemas de opressão e dominação de classes, como Frantz Fanon (1925-1961) e Gloria Jean Watkins (bell hooks), a obra é decorrente do doutoramento de Grada Kilomba na Alemanha que obteve a mais alta distinção acadêmica, a summa cum laude. Um livro que demonstra como o racismo não se limita a um passado colonial, mas representa uma realidade traumática em muitas sociedades, inclusive naquelas que se intitulam como uma "democracia racial", como a nossa.

Os mecanismos do racismo atuam de forma mais cruel contra as mulheres negras, tornando-as invisíveis e formando o "racismo genderizado": "Mulheres negras têm sido, portanto, incluídas em diversos discursos que mal interpretam nossa própria realidade: um debate sobre racismo no qual o 'sujeito' é o homem 'negro'; um discurso genderizado no qual o 'sujeito' é a mulher 'branca'; e um discurso de classe no qual 'raça' não tem nem lugar. Nós ocupamos um lugar muito crítico dentro da teoria" (p. 97) [...]

(Fonte: KOVACS, Alexandre. Grada Kilomba – Memórias da Plantação. Disponível em mundodek.com / https://bit.ly/3DG9gl4)

PARA SER LIDO COM CALMA E HUMILDADE
Em memórias da plantação, a Grada traz exemplos cotidianos e análises do racismo, contextualizando o trauma que o colonialismo impões a pessoas pretas. Na análise atenta e sem a pretensão de ser impessoal, a autora traz relatos do que é viver na pele de uma mulher negra num mundo ainda marcado pelo colonialismo e repleto de fantasias a respeito do papel social, cultural e econômico de indivíduos negros no mundo.
Segundo a própria autora, amparada pelo corpo teórico da psicanálise, existem 5 mecanismos diferentes de defesa do ego frente ao trauma imposto pelo racismo: negação, frustração, ambivalência, identificação e descolonização. Para mim, esse livro, assim como todos os outros autores negros que tenho lido, são parte de um processo de transição entre ambivalência e identificação, que eu espero sinceramente que culmine na descolonização. Que culmine no meu estabelecimento pleno como um sujeito no mundo, independentemente do imaginário cruel que é tão sinceramente descrito pela Grada nesse livro.
É um livro pesado e dolorido, para ser lido com calma e humildade. A edição brasileira conta ainda com uma carta da autora que mostra com que cuidado, delicadeza e atenção a obra foi traduzida para o português brasileiro, levando em consideração a história, as peculiaridades e os significados subjetivos da língua. Com certeza, uma leitura que vale a pena.

(Fonte: skoob.com.br / https://bit.ly/3sXHU4X)

OUTRAS RESENHAS DESTA OBRA: 
Memórias de Plantação: episódios de racismo cotidiano – KILOMBA (S-RH). Disponível em resenhacritica.com.br / https://bit.ly/2V2lx1G
- RIBEIRO, Djamila. “O racismo é uma problemática branca”, diz Grada Kilomba. Disponível em: geledes.org.br / https://bit.ly/3kE9257

VÍDEO-RESENHAS DESTA OBRA:

Live com Grada Kilomba

(Fonte: canal Colégio Equipe - YouTube / https://bit.ly/38pxRvN)
 
Roda de Conversa com Grada Kilomba e Djamila Ribeiro
(Fonte: canal Pinacoteca de São Paulo - YouTube / https://bit.ly/3jt56F2)

Memórias de plantação: episódios de racismo cotidiano

(Fonte: canal Letras Pretas - YouTube / https://bit.ly/3gNUjn8)


Memórias da Plantação, de Grada Kilomba
(Fonte: canal Literapia e uns Buquês de Etceteras - YouTube / https://bit.ly/3BtJf6m)

Memórias da Plantação, de Grada Kilomba
(Fonte: canal Alguém Viu Meus Óculos? - YouTube / https://bit.ly/2V4dZLS)

Memórias da Plantação, de Grada Kilomba
(Fonte: canal Aline Aimee - YouTube / https://bit.ly/3kVCWlJ)

Memórias da Plantação, de Grada Kilomba
(Fonte: canal Biblioteca da Letras da UFRJ - YouTube / https://bit.ly/3zyuAGH)

(Foto: geledes.org.br)
QUEM É GRADA KILOMBA?

1968, Lisboa, Portugal. Vive em Berlim, Alemanha
Grada Kilomba é uma escritora, teórica e artista que ativa e produz saber "descolonial" ao tecer relações entre gênero, raça e classe. Sua obra dispõe de formatos e registros distintos, como publicações, leituras encenadas, performances-palestras, videoinstalações e textos teóricos, criando um espaço híbrido entre conhecimento acadêmico e prática artística. É partindo do gesto duplo de descolonização do pensamento e de performatização do conhecimento que Kilomba salta do texto à performance e dá corpo, voz e imagem a seus escritos. Na 32a Bienal, a artista mostra dois projetos diferentes. The Desire Project [O projeto desejo] (2015-2016) é uma videoinstalação dividida em três momentos: While I Speak, While I Write e While I Walk [Enquanto falo, enquanto escrevo, enquanto ando], vídeos cujo principal elemento visual é a palavra e que indicam a aparição de um sujeito enunciador historicamente silenciado por narrativas coloniais. Já Illusions [Ilusões] (2016) é uma performance que usa a tradição africana de contar histórias em narrações e projeções de vídeo. A leitura evoca os mitos de Narciso e Eco como metáforas de um passado colonial e políticas de representação que só espelham a si mesmas.
(Fonte: bienal.org.br / https://bit.ly/3kEdUap)

(Foto: wikipedia.org)
Com raízes em São Tomé e Príncipe e Angola, reside desde 2008 em Berlim (Alemanha) e a experiência de crescer, estudar e trabalhar num país com fortes traços colonialistas marca profundamente o seu trabalho.
Conhecida principalmente pelo espaço híbrido que o seu trabalho cria, onde as fronteiras entre as linguagens acadêmicas e artísticas se confinam. A multidisciplinaridade da sua obra expande-se desde à escrita, à leitura encenada dos seus textos, assim como instalações de vídeo e performance, criando o que ela chama de “Performing Knowledge”.
Leciona em várias universidades internacionais e recentemente na Universidade de Humboldt, em Berlim, nas áreas de Estudos de Género e Estudos Pós-coloniais.
(Foto: flip.org.br)
As suas obras têm sido apresentadas em várias instituições artísticas renomadas da América, África e Europa, nomeadamente no Art Basel, The Power Plant em Toronto, Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (Maat) Lisboa, Maxim Gorki Theater (Berlim), Ballhaus Naunynstrasse (Berlim), Universidade do Rio de Janeiro, University of Accra (Gana), entre outros.
A Pinacoteca de São Paulo apresentou a primeira exposição individual de Grada Kilomba no Brasil, titulada "Grada Kilomba: Desobediências poéticas" com curadoria assinada por Valéria Piccoli. A exposição provoca a reflexão sobre a coleção de arte dos séculos XIX e XX do próprio museu, e por extensão toda História da Arte, criticando sobretudo suas raízes eurocêntricas e segredadoras.
(Fonte: wikipedia.org)

UM POUCO DA ARTE DE GRADA KILOMBA

[...]"Eu acho que a arte pode transformar. Que a arte e a literatura transformam sociedades. E acho que por uma razão muito simples: o que é mais fascinante na arte é que ela pode ser e deve ser política, mas, no meu entender, não é moral. Acho que é muito importante criar um diálogo com o teu público sem um senso de moralismo."[...]
(Fonte: LIMA, Juliana. A Desmantelar o Poder. Disponível em: uol.com.br/ecoa /  https://bit.ly/3mNKt8z)

-  Exposição no Bildmuseet, Suécia:  wsimag.com / https://bit.ly/3yzRUSW

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