Grada
Kilomba aborda questões importantes sobre as formas contemporâneas do racismo
que adaptou as antigas concepções do colonialismo, apelativas de uma falsa
"superioridade biológica", para as novas abordagens que, em vez
disso, falam de "diferença cultural" ou de "religiões" e
suas incompatibilidades com as culturas nacionais, principalmente nos países
europeus. Portanto, ocorre uma mudança no conceito de "biologia" para
"cultura" e, apesar da ideia de superioridade não estar implícita, é
disso que se trata novamente. As diferenças sendo interpretadas como
"inferioridade" e gerando o preconceito, apoiado pelo poder.
"Há uma máscara da qual eu ouvi falar muitas vezes durante minha
infância. A máscara que 'Anastácia' era obrigada a usar. Os vários relatos e
descrições minuciosas pareciam me advertir que aqueles não eram meramente fatos
do passado, mas memórias vivas enterradas em nossa psique, prontas para serem
contadas. Hoje quero recontá-las. Quero falar sobre a máscara do silenciamento.
Tal máscara foi uma peça muito concreta, um instrumento real que se tornou parte
do projeto colonial europeu por mais de trezentos anos. Ela era composta por um
pedaço de metal colocado no interior da boca do 'sujeito negro', instalado
entre a língua e o maxilar e fixado por detrás da cabeça por duas cordas, uma
em torno do queixo e a outra em torno do nariz e da testa. Oficialmente, a
máscara era usada pelos senhores 'brancos' para evitar que africanas/os
escravizadas/os comessem cana-de açúcar ou cacau enquanto trabalhavam nas
plantações, mas sua principal função era implementar um senso de mudez e de
medo, visto que a boca era um lugar de silenciamento e de tortura. Neste
sentido, a máscara representa o colonialismo como um todo. Ela simboliza
políticas sádicas de conquista e dominação e seus regimes brutais de
silenciamento das/os chamadas/os 'Outras/os': Quem pode falar? O que acontece
quando falamos? E sobre o que podemos falar?" (p.33)
Na
linha de outros grandes pensadores da descolonização e sistemas de opressão e
dominação de classes, como Frantz Fanon (1925-1961) e Gloria Jean Watkins (bell
hooks), a obra é decorrente do doutoramento de Grada Kilomba na Alemanha que
obteve a mais alta distinção acadêmica, a summa cum laude. Um livro que
demonstra como o racismo não se limita a um passado colonial, mas representa
uma realidade traumática em muitas sociedades, inclusive naquelas que se
intitulam como uma "democracia racial", como a nossa.
Os
mecanismos do racismo atuam de forma mais cruel contra as mulheres negras,
tornando-as invisíveis e formando o "racismo genderizado": "Mulheres
negras têm sido, portanto, incluídas em diversos discursos que mal interpretam
nossa própria realidade: um debate sobre racismo no qual o 'sujeito' é o homem
'negro'; um discurso genderizado no qual o 'sujeito' é a mulher 'branca'; e um
discurso de classe no qual 'raça' não tem nem lugar. Nós ocupamos um lugar
muito crítico dentro da teoria" (p. 97) [...]
(Fonte:
KOVACS, Alexandre. Grada Kilomba – Memórias da Plantação. Disponível em
mundodek.com / https://bit.ly/3DG9gl4)
Segundo a própria autora, amparada pelo corpo teórico da psicanálise, existem 5 mecanismos diferentes de defesa do ego frente ao trauma imposto pelo racismo: negação, frustração, ambivalência, identificação e descolonização. Para mim, esse livro, assim como todos os outros autores negros que tenho lido, são parte de um processo de transição entre ambivalência e identificação, que eu espero sinceramente que culmine na descolonização. Que culmine no meu estabelecimento pleno como um sujeito no mundo, independentemente do imaginário cruel que é tão sinceramente descrito pela Grada nesse livro.
É um livro pesado e dolorido, para ser lido com calma e humildade. A edição brasileira conta ainda com uma carta da autora que mostra com que cuidado, delicadeza e atenção a obra foi traduzida para o português brasileiro, levando em consideração a história, as peculiaridades e os significados subjetivos da língua. Com certeza, uma leitura que vale a pena.
(Fonte: skoob.com.br / https://bit.ly/3sXHU4X)
(Fonte: canal Colégio Equipe - YouTube / https://bit.ly/38pxRvN)
(Fonte: canal Letras Pretas - YouTube / https://bit.ly/3gNUjn8)
1968,
Lisboa, Portugal. Vive em Berlim, Alemanha
Grada
Kilomba é uma escritora, teórica e artista que ativa e produz saber "descolonial" ao tecer relações entre gênero, raça e classe. Sua obra dispõe
de formatos e registros distintos, como publicações, leituras encenadas,
performances-palestras, videoinstalações e textos teóricos, criando um
espaço híbrido entre conhecimento acadêmico e prática artística. É
partindo do gesto duplo de descolonização do pensamento e de
performatização do conhecimento que Kilomba salta do texto à performance e
dá corpo, voz e imagem a seus escritos. Na 32a Bienal, a artista mostra dois
projetos diferentes. The Desire Project [O projeto desejo] (2015-2016) é uma
videoinstalação dividida em três momentos: While I Speak, While I Write e
While I Walk [Enquanto falo, enquanto escrevo, enquanto ando], vídeos cujo
principal elemento visual é a palavra e que indicam a aparição de um sujeito
enunciador historicamente silenciado por narrativas coloniais. Já Illusions
[Ilusões] (2016) é uma performance que usa a tradição africana de contar
histórias em narrações e projeções de vídeo. A leitura evoca os mitos de
Narciso e Eco como metáforas de um passado colonial e políticas de
representação que só espelham a si mesmas.
(Fonte: bienal.org.br / https://bit.ly/3kEdUap)
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(Foto: wikipedia.org) |
Conhecida principalmente pelo espaço híbrido que o seu trabalho cria, onde as fronteiras entre as linguagens acadêmicas e artísticas se confinam. A multidisciplinaridade da sua obra expande-se desde à escrita, à leitura encenada dos seus textos, assim como instalações de vídeo e performance, criando o que ela chama de “Performing Knowledge”.
Leciona em várias universidades internacionais e recentemente na Universidade de Humboldt, em Berlim, nas áreas de Estudos de Género e Estudos Pós-coloniais.
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(Foto: flip.org.br) |
A Pinacoteca de São Paulo apresentou a primeira exposição individual de Grada Kilomba no Brasil, titulada "Grada Kilomba: Desobediências poéticas" com curadoria assinada por Valéria Piccoli. A exposição provoca a reflexão sobre a coleção de arte dos séculos XIX e XX do próprio museu, e por extensão toda História da Arte, criticando sobretudo suas raízes eurocêntricas e segredadoras.
(Fonte: wikipedia.org)
UM POUCO DA ARTE DE GRADA KILOMBA
(Fonte: LIMA, Juliana. A Desmantelar o Poder. Disponível em: uol.com.br/ecoa / https://bit.ly/3mNKt8z)
- Exposição no Bildmuseet, Suécia: wsimag.com / https://bit.ly/3yzRUSW